Ucrânia: “Estamos diante de uma guerra entre os EUA e a Rússia”
História de Neidy RibeiroPela primeira vez
desde que começou a invasão russa da Ucrânia, o Presidente ucraniano
deixou o país rumo aos Estados Unidos. Volodimir Zelensky foi recebido
pelo Presidente Joe Biden e discursou diante do Congresso, lembrando que
“contra todas as probabilidades” a Ucrânia ainda está de pé, “viva e em
luta". Boaventura Sousa Santos, director do Centro de Estudos Sociais
da Universidade de Coimbra, considera que esta viagem mostra que
"estamos diante de uma guerra entre os EUA e a Rússia".
RFI:
Nesta primeira deslocação ao estrangeiro, o Presidente da Ucrânia
escolheu os Estados Unidos, em detrimento de uma capital europeia. Que
mensagem quis enviar ao mundo Volodymir Zelensky com esta visita a
Washington?
Boaventura Sousa Santos:
Envia uma mensagem que ratifica tudo aquilo que a gente sabe. Isto é
uma guerra entre os Estados Unidos e a Rússia. A Europa é uma figura
menor, enquanto protagonista desta guerra. Os europeus estão a sofrer as
consequências da guerra, alguns dirigentes têm feito alguma
intervenção, mas sempre em obediência à política dos Estados Unidos.
Zelensky sabe quem manda na guerra e quem manda na guerra, do lado dos
aliados, são os Estados Unidos. Volodimir Zelensky foi à fonte, pois
não faria muito sentido ir a outro país.
Volodimir
Zelensky foi aos Estados Unidos para fortalecer uma das posições que
existe na administração de Joe Biden. A administração do Presidente
norte-americano está dividida entre aqueles que querem o alargamento da
guerra, a posição dominante, que nos Estados Unidos são conhecidos pelos
neo-conservadores. Por outro lado, existe uma outra corrente, onde
estão os militares. O chefe de Estado Maior das Forças Armadas dos
Estados Unidos disse, recentemente, que esta era a hora da negociação.
Ou seja, não há uma solução militar. A solução tem de ser política, tem
de ser negociada.
Na
minha opinião, Joe Biden está neste momento refém da posição dos
neo-conservadores. No Congresso está-se em vias de aprovação de mais
fundos de ajuda militar para a Ucrânia e, portanto, a visita de Zelensky
foi para fortalecer a posição dos neo-conservadores, dentro da
administração de Joe Biden.
É
preciso, no entanto, lembrar que o povo americano, pelas sondagens
realizadas, esta posição também se tem verificado junto dos senadores,
tem levantado algumas dúvidas sobre o posicionamento dos Estados Unidos
neste conflito. Como é que o país vai continuar a ajudar financeiramente
a Ucrânia? A crise económica a nível mundial se vai manter com a
continuidade da guerra? Para além da destruição de um país…
Joe
Biden fez alusão à entrega de novas armas, nomeadamente dos mísseis
Patriot. O que é que representam estas novas armas para a defesa da
Ucrânia?
Representam
uma grande defesa anti-aérea, capaz de neutralizar parte daquilo que se
pensa que os mísseis russos podem intensificar em território ucraniano.
Trata-se de uma defesa de alta potência, de uma nova geração de
mísseis. São as armas mais sofisticadas que poderiam ser dadas. É nesta
luta que, neste momento, Volodymir Zelensky está envolvido.
Passa
pela cabeça dele e de muita gente que os Estados Unidos podem ganhar
esta guerra. É difícil imaginar que isto ocorra. Como é que se pode
ganhar uma guerra? Arrasando o adversário. Quer dizer que a Rússia, uma
potência nuclear, vai deixar de existir?
As bases
aéreas na Rússia foram atacadas, recentemente, por drones que foram
lançados a partir da Ucrânia. Alguns desses drones atacaram, não muito
longe, bases onde há armas nucleares armazenadas. Essas notícias não têm
sido dadas pela imprensa europeia.
Dá-me
a impressão que os neo-conservadores estão a brincar com a hipótese de
uma guerra total. É uma tragédia o que está neste momento a ocorrer e
pode haver um agravamento….
Diante
do Congresso, o Presidente ucraniano afirmou que os apoios
norte-americanos não são caridade, mas sim “intervenção global contra a
tirania da Rússia”. Já não é a primeira vez que Zelensky faz afirmações
semelhantes. A Ucrânia está neste momento a defender o mundo da ameaça
que representa Vladimir Putin?
De
maneira nenhuma. Em meu entender, Vladimir Putin não é uma ameaça para o
mundo. Vladimir Putin é uma ameaça para a Ucrânia, neste momento,
obviamente. No entanto, na minha opinião, a Rússia tem uma posição
legítima, defendendo que a NATO não pode estar nas fronteiras russas com
armas que podem atingir Moscovo, numa questão de minutos. Nenhuma
potência nuclear aceitaria isso.
Aliás,
o Presidente Emmanuel Macron, que não pertence ao grupo dos
extremistas, foi aos Estados Unidos, antes de Zelensky, dizer que a
solução política é a única solução para este conflito.
O
Presidente francês veio defender que a entrada da Ucrânia na NATO não
será o "cenário mais provável" no futuro próximo. Emmanuel Macron volta
deixar a porta aberta ao diálogo?
Essa
é a posição de Março de 2022. Quando, pouco tempo depois da invasão,
houve um esforço de negociações, mediadas pela Turquia, no sentido de
haver uma paz rápida. Nessa altura, o próprio Presidente Zelensky
afirmou que a segurança da Ucrânia não tinha de passar, necessariamente,
pela NATO.
Considero
que não havia, nunca houve, nenhuma necessidade absoluta do alargamento
da NATO ser a única solução para assegurar a soberania e a protecção da
Ucrânia. Pelo contrário, a tentativa de alargamento, a todo o custo, é o
que está a destruir a Ucrânia.
O
Presidente Macron tem uma posição mais razoável, como a do
primeiro-ministro alemão. A guerra está no território europeu, não está
na América. Os europeus estão mais interessados numa negociação. O que
acontece é que o Presidente Zelensky é um refém dos neo-conservadores.
O
Kremlin afirmou que a visita do Presidente ucraniano, Volodymyr
Zelensky, aos Estados Unidos não mostra "vontade de ouvir a Rússia" e
que Washington está a travar uma "guerra indirecta” contra Moscovo na
Ucrânia. A Rússia que veio também dizer que a entrega
de novas armas vai ter um impacto no conflito. Poderemos vir a assistir a
um agravamento do conflito no terreno?
Sim,
não tenho dúvidas nenhumas. É isso que está neste momento no horizonte,
face àquilo que os russos vêem como agressividade e intransigência de
Zelensky de que não há possibilidade de compromisso. Além da questão da
NATO, a outra questão que é inegociável para a Rússia é a Crimeia.
Neste
momento, o Presidente Zelensky não só quer a Crimeia, mas também o
Donbass, inclusivamente, e quer a NATO na Ucrânia. Tudo isto é
inaceitável para Rússia e ele [ Zelensky] está a querer ampliar...
Sabe-se
que os mísseis Patriot são uma mudança qualitativa na guerra, pelas
possibilidades de defesa que dá à Ucrânia e é o agravamento do conflito
no terreno. A guerra parece ainda indirecta, mas ela é cada vez mais
directa. É a NATO que comanda neste momento as operações na Ucrânia.
Estamos
num momento horrível, extremamente perigoso. Assistimos a uma guerra de
informação, muito grande, e onde todos aqueles que lutámos pela Paz, no
Iraque e em outros países, estamos um pouco atordoados com o facto de
não ser possível criar um movimento pela Paz na Europa. Os grandes
movimentos da Paz que tivemos na Europa estão calados.