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13.2.22

A paixão de dar voz a rádios antigos a válvulas

Apesar de se viver um mundo digital há quem se dedique a recuperar o passado analógico dos rádios antigos. A paixão pelo design dos aparelhos a válvulas fez com que José Duarte iniciasse uma coleção com o desafio de lhes dar uma nova vida, restaurando-os. No Dia Internacional da Rádio vamos conhecer a memória de um conjunto de aparelhos que contam histórias, entre o período da II Guerra Mundial e a década seguinte. © Carla Quirino - RTP 

 
 Apesar de se viver um mundo digital há quem se dedique a recuperar o passado analógico dos rádios antigos. A paixão pelo design dos aparelhos a válvulas fez com que José Duarte iniciasse uma coleção com o desafio de lhes dar uma nova vida…

Em criança, na casa do avô, durante as tardes de transmissão do relato de futebol, José Duarte recorda-se, "vezes sem conta, de espreitar por trás do rádio procurando o dono da voz, mas o aparelho só me dava calor e uma luz fraca que vinham das válvulas acesas".

José Duarte partilhou com a RTP o entusiasmo da arte de restaurar rádios antigos, quase sempre avariados e esquecidos. Se a uns teve de reparar o exterior, a outros precisou de investigar e mergulhar no mundo das válvulas e circuitos electrónicos.

Tem cerca de uma centena de rádios a válvulas mas destaca perto de 40 aparelhos, todos restaurados por ele. Se por um lado as linhas dos modelos o seduziu em primeira instância, a missão de lhes devolver a voz conquistou-o de vez. Praticamente todos os aparelhos antes da década de 60 funcionavam em onda média e onda curta. Depois veio o FM e mais recentemente o sinal digital e os emissores de onda média deixaram de ser usados.

Excelsior 55 EZ80

O projeto mais recente de José Duarte é um rádio francês da década de 50.

O colecionador destaca a criatividade deste molde, "inspirado nas frentes dos carros norte americanos da época". O modelo conhecido por Excelsior 55 EZ80 teve uma produção breve, não havendo segunda série no fabrico da SNR, Société Nouvelle de Radiophonie, ganhando assim um valor de coleção por serem raros.

Adquirido há meia dúzia de anos por cerca de 120 euros, o aparelho precisava de uma reparação eletrónica, entretanto já concluída sem dificuldade.

Rádios Históricos

José Duarte vai buscar a uma das muitas estantes onde se espalha a coleção, um rádio de baquelite escura, lustrosa, de formato retangular com linhas simples.

As águias de asas abertas agarrando a suástica envolta em louros não enganam. É um aparelho de 1938, mais precisamente um Volksempfänger (Receptor do povo), rádio para as massas desenvolvido pelo regime nazi, barato para todos os poderem comprar e com pouca capacidade de captação para não apanhar programas estrangeiras.

Adquirido numa feira, precisou de o reparar: "Tinha uma válvula avariada juntamente com outros componentes electrónicos". Do analógico saltou para o digital procurando na internet solução. Encontrou esquemas e válvulas para dar vida ao velho rádio nacional socialista.

"Consegui encontrar em Portugal todos os componentes para o pôr a funcionar. Mas como a captação é em onda média, e estes equipamentos estavam preparados para receber emissões de curtas distâncias, atualmente é difícil a sintonização", explica.

Estes rádios baratos difundidos pela população tinham como missão receber a mensagem do III Reich. Quantas pessoas terão escutado os discursos de Adolf Hitler neste aparelho, reflete José Duarte, acrescentando que estando ao serviço "de um regime opressor ", o Volksempfänger "veiculava a propaganda nazi e controlava a restante informação".

Ao lado do Volksempfänger, José Duarte apresenta-nos mais um aparelho da coleção. Também da década de 30 do século passado, outro rádio produzido para as massas e por onde, desta vez, o regime português de António Salazar se fazia ouvir.

É um RCA de quatro válvulas, decorado com um emblema da Emissora Nacional acompanhado pela inscrição de uma estrofe dos Lusíadas de Luís de Camões: "Cantando espalharei por toda parte" (Se a tanto me ajudar o engenho e arte).

Se o alemão Paul Goebbels, ministro da Propaganda do III Reich, promoveu a difusão dos recetores de rádio em terras germânicas, em Portugal, Henrique Galvão defendeu o projeto da Emissora Nacional "para bem da nação".

Os RCA faziam parte de uma política de expansão da Rádio em Portugal durante o Estado Novo e eram vendidos pela Emissora Nacional às famílias, com facilidades no pagamento.

"Em Portugal, nos anos da II Guerra, a onda média e curta foi muito importante para quem queria ouvir os relatos de alguns episódios da guerra", explica José Duarte.

A rádio também servia para saber as notícias que se passavam noutros países. "A censura cortava a informação e as pessoas, através das estações estrangeiras, em onda curta, ouviam os relatos e notícias" vindas de outras paragens, como que "uma janela para o mundo". Para fiscalizar o uso do espectro radiofónico português em possíveis transmissões clandestinas, o Estado Novo criou os "Serviços Rádios- eléctricos para fazerem essas escutas", acrescentou.

O colecionador encontrou o rádio português num antiquário, avariado e com a estrutura exterior de madeira, estragada. Sobre a arte de restauro, detalha a precisão do trabalho que pretende que seja "criterioso, no sentido de preservar ao máximo as características originais de cada aparelho", e defende que só assim se preserva a memória de toda uma época.

Na recuperação no RCA, para além da reparação electrónica, Duarte investigou uma prática de envernizamento que se fazia hà época e que utilizava excrementos de um insecto.

Dia Internacional da Rádio

E se "perdendo a memória, perde-se o ensinamento", como defende José Duarte, é essa memória da rádio que os Estados Membros da UNESCO decidiram exaltar, quando criaram o Dia Internacional da Rádio.

Após o fim da II Guerra Mundial, o serviço internacional de radiodifusão das Nações Unidas foi iniciada a13 de fevereiro de 1946, e foi precisamente essa data, a escolhida,

para preservar o meio de comunicação intemporal e consciêncializar as pessoas da importância do rádio.

Proclamando em 2011 e adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2012, o dia 13 de fevereiro tornou-se o Dia Internacional da Rádio.

A radiodifusão continua a ser um dos meios de comunicação mais confiáveis e acessíveis do mundo e por isso a edição de 2022 tem o tema "Rádio e Confiança".

José Duarte, em jeito de homenagem, relembra que a rádio só se faz porque milhares de trabalhadores anónimos estão todos os dias e noites mundo fora a garantirem tecnicamente as emissões.

E também com o foco nos 120 anos de rádio, Duarte destaca, "o esforço de muitos que estudaram eletrónica por correspondência, em Portugal, durante décadas e conseguiram melhorar a produção dos aparelhos radiofónicos".