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25.12.22

QUANDO O MAR BATE NA ROCHA QUEM SE LIXA É O MEXILHÃO.

 

Ucrânia: “Estamos diante de uma guerra entre os EUA e a Rússia”

História de Neidy Ribeiro

Pela primeira vez desde que começou a invasão russa da Ucrânia, o Presidente ucraniano deixou o país rumo aos Estados Unidos. Volodimir Zelensky foi recebido pelo Presidente Joe Biden e discursou diante do Congresso, lembrando que “contra todas as probabilidades” a Ucrânia ainda está de pé, “viva e em luta". Boaventura Sousa Santos, director do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, considera que esta viagem mostra que "estamos diante de uma guerra entre os EUA e a Rússia". 

RFI: Nesta primeira deslocação ao estrangeiro, o Presidente da Ucrânia escolheu os Estados Unidos, em detrimento de uma capital europeia. Que mensagem quis enviar ao mundo Volodymir Zelensky com esta visita a Washington?

Boaventura Sousa Santos: Envia uma mensagem que ratifica tudo aquilo que a gente sabe. Isto é uma guerra entre os Estados Unidos e a Rússia. A Europa é uma figura menor, enquanto protagonista desta guerra. Os europeus estão a sofrer as consequências da guerra, alguns dirigentes têm feito alguma intervenção, mas sempre em obediência à política dos Estados Unidos. Zelensky sabe quem manda na guerra e quem manda na guerra, do lado dos aliados, são os Estados Unidos.  Volodimir Zelensky foi à fonte, pois não faria muito sentido ir a outro país.

O Presidente norte-americano, Joe Biden, prometeu manter a ajuda financeira, militar, em particular no apoio à defesa aérea. Que garantias leva Volodimir Zelensky de Washington?

Volodimir Zelensky foi aos Estados Unidos para fortalecer uma das posições que existe na administração de Joe Biden. A administração do Presidente norte-americano está dividida entre aqueles que querem o alargamento da guerra, a posição dominante, que nos Estados Unidos são conhecidos pelos neo-conservadores. Por outro lado, existe uma outra corrente, onde estão os militares. O chefe de Estado Maior das Forças Armadas dos Estados Unidos disse, recentemente, que esta era a hora da negociação. Ou seja, não há uma solução militar. A solução tem de ser política, tem de ser negociada.

Na minha opinião, Joe Biden está neste momento refém da posição dos neo-conservadores. No Congresso está-se em vias de aprovação de mais fundos de ajuda militar para a Ucrânia e, portanto, a visita de Zelensky foi para fortalecer a posição dos neo-conservadores, dentro da administração de Joe Biden.

É preciso, no entanto, lembrar que o povo americano, pelas sondagens realizadas, esta posição também se tem verificado junto dos senadores, tem levantado algumas dúvidas sobre o posicionamento dos Estados Unidos neste conflito. Como é que o país vai continuar a ajudar financeiramente a Ucrânia? A crise económica a nível mundial se vai manter com a continuidade da guerra? Para além da destruição de um país…

Joe Biden fez alusão à entrega de novas armas, nomeadamente dos mísseis Patriot. O que é que representam estas novas armas para a defesa da Ucrânia?

Representam uma grande defesa anti-aérea, capaz de neutralizar parte daquilo que se pensa que os mísseis russos podem intensificar em território ucraniano. Trata-se de uma defesa de alta potência, de uma nova geração de mísseis. São as armas mais sofisticadas que poderiam ser dadas. É nesta luta que, neste momento, Volodymir Zelensky está envolvido.

Passa pela cabeça dele e de muita gente que os Estados Unidos podem ganhar esta guerra. É difícil imaginar que isto ocorra. Como é que se pode ganhar uma guerra? Arrasando o adversário. Quer dizer que a Rússia, uma potência nuclear, vai deixar de existir?

As bases aéreas na Rússia foram atacadas, recentemente, por drones que foram lançados a partir da Ucrânia. Alguns desses drones atacaram, não muito longe, bases onde há armas nucleares armazenadas. Essas notícias não têm sido dadas pela imprensa europeia.

Dá-me a impressão que os neo-conservadores estão a brincar com a hipótese de uma guerra total. É uma tragédia o que está neste momento a ocorrer e pode haver um agravamento….

Diante do Congresso, o Presidente ucraniano afirmou que os apoios norte-americanos não são caridade, mas sim “intervenção global contra a tirania da Rússia”. Já não é a primeira vez que Zelensky faz afirmações semelhantes. A Ucrânia está neste momento a defender o mundo da ameaça que representa Vladimir Putin?

De maneira nenhuma. Em meu entender, Vladimir Putin não é uma ameaça para o mundo. Vladimir Putin é uma ameaça para a Ucrânia, neste momento, obviamente. No entanto, na minha opinião, a Rússia tem uma posição legítima, defendendo que a NATO não pode estar nas fronteiras russas com armas que podem atingir Moscovo, numa questão de minutos. Nenhuma potência nuclear aceitaria isso.

Aliás, o Presidente Emmanuel Macron, que não pertence ao grupo dos extremistas, foi aos Estados Unidos, antes de Zelensky, dizer que a solução política é a única solução para este conflito.

O Presidente francês veio defender que a entrada da Ucrânia na NATO não será o "cenário mais provável" no futuro próximo. Emmanuel Macron volta deixar a porta aberta ao diálogo?

Essa é a posição de Março de 2022. Quando, pouco tempo depois da invasão, houve um esforço de negociações, mediadas pela Turquia, no sentido de haver uma paz rápida. Nessa altura, o próprio Presidente Zelensky afirmou que a segurança da Ucrânia não tinha de passar, necessariamente, pela NATO.

Considero que não havia, nunca houve, nenhuma necessidade absoluta do alargamento da NATO ser a única solução para assegurar a soberania e a protecção da Ucrânia. Pelo contrário, a tentativa de alargamento, a todo o custo, é o que está a destruir a Ucrânia.

O Presidente Macron tem uma posição mais razoável, como a do primeiro-ministro alemão. A guerra está no território europeu, não está na América. Os europeus estão mais interessados numa negociação. O que acontece é que o Presidente Zelensky é um refém dos neo-conservadores.

O Kremlin afirmou que a visita do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, aos Estados Unidos não mostra "vontade de ouvir a Rússia" e que Washington está a travar uma "guerra indirecta” contra Moscovo na Ucrânia. A Rússia que veio também dizer que a entrega de novas armas vai ter um impacto no conflito. Poderemos vir a assistir a um agravamento do conflito no terreno?

Sim, não tenho dúvidas nenhumas. É isso que está neste momento no horizonte, face àquilo que os russos vêem como agressividade e intransigência de Zelensky de que não há possibilidade de compromisso. Além da questão da NATO, a outra questão que é inegociável para a Rússia é a Crimeia.

Neste momento, o Presidente Zelensky não só quer a Crimeia, mas também o Donbass, inclusivamente, e quer a NATO na Ucrânia. Tudo isto é inaceitável para Rússia e ele [ Zelensky] está a querer ampliar...

Sabe-se que os mísseis Patriot são uma mudança qualitativa na guerra, pelas possibilidades de defesa que dá à Ucrânia e é o agravamento do conflito no terreno. A guerra parece ainda indirecta, mas ela é cada vez mais directa. É a NATO que comanda neste momento as operações na Ucrânia.

Estamos num momento horrível, extremamente perigoso. Assistimos a uma guerra de informação, muito grande, e onde todos aqueles que lutámos pela Paz, no Iraque e em outros países, estamos um pouco atordoados com o facto de não ser possível criar um movimento pela Paz na Europa. Os grandes movimentos da Paz que tivemos na Europa estão calados.