Já poucos são os que entram em museus, teatros ou livrarias.

 Não conseguem competir com o cinema, a Netflix e os festivais de música. O Mundo do Livro é um desses locais ignorados, apesar de ser lá que se pode conhecer um “resistente”.

 O dono, João Rodrigues Pires, tem 100 anos e continua a dirigir a sua própria livraria, o que lhe confere o palmarés de livreiro mais antigo de Portugal.
O Mundo Do Livro já foi só do livro, mas atualmente é de muitas outras coisas. Gravuras antigas, mapas, reproduções, molduras, pinturas e postais preenchem este ex-líbris lisboeta, onde o que se mantém imutável é o fundador: há quase 80 anos que João Pires passa os seus dias à frente desta loja que já viu Lisboa mudar e que recentemente conseguiu duas distinções:

 A sua livraria foi considerada “Loja com História” e foi condecorado pelo Presidente da República, com o grau de Comendador da Ordem do Mérito. 
Porque as noticias não escolhem hora e o seu tempo é precioso.Com 100 anos recentemente celebrados, o Sr. Pires continua a ir e vir todos os dias de táxi até à sua loja no centro da capital, onde sobe e desce pelos três andares do edifício pombalino sem quase se notar o peso da idade.

 É natural de Santo Amaro de Oeiras, viveu 10 anos da sua infância em Cacheu, na Guiné, mas passou toda a vida no Chiado, primeiro em várias livrarias reconhecidas, como a Bertrand e a Sá da Costa, e depois assentando arraiais por conta própria. 

A livraria O Mundo do Livro abriu portas em 1941, na Rua Nova da Trindade, no vão de escadas do edifício onde ainda hoje se encontra a Academia dos Amadores de Música, e em 1946 mudou-se para a morada que mantém, no Largo da Trindade. 

Começou aos vinte e poucos anos com 200 livros e 300 escudos, num Chiado intelectual, onde circulavam clientes com poder de compra num mundo pré-Internet.

 Hoje passam-se dias sem que venda um único livro - as gravuras chegaram para apoiar o negócio em declínio dos livros antigos -, mas o Sr. Pires diz estar orgulhoso:
 “Fiz coisas que nenhum livreiro fez, edições de livros e cerca de 400 gravuras que nunca tinham sido reproduzidas.” O bibliófilo está sempre pronto a ajudar a encontrar um livro ou uma gravura e também a trocar dois dedos de conversa e partilhar uma ou outra história.

 Naturalmente, ao longo da vida que passou à frente da livraria que fundou após a Guerra Civil de Espanha, os episódios caricatos foram-se acumulando. 

Desde um interrogatório na Polícia Judiciária - ainda no tempo de Salazar - que durou 12 horas, até às amizades com Aquilino Ribeiro e a família Almeida Garrett, contamos aqui algumas das memórias que preenchem a vida do alfarrabista mais antigo de Portugal.