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12.6.11

POVO TRISTE. OS MAIS CULPADOS.

 " Vindos da Corunha,a bordo do Oransa, foram presos ontem vinte e um emigrantes portugueses...

    Confessaram tudo e disseram sem evasivas que se ausentavam para se eximir ao serviço militar.

( Do Diário de Noticias - 31 - 1 - 1915. )

 ""   Enquadrando uma reprodução fotográfica, veem aqueles e outros dizeres explicativos, dos quais destaco esses períodos e as seguintes notas: - 
 Os vinte e um têm idades mediando os 17 e os 32 anos; dois são ferreiros, um empregado do comércio, os restantes pertencem à lavoura. 
Na ilustração da notícia que a grande informação lançou pelo país a dentro, veem-se amontoados os vinte e um desgraçados, de cada lado um guarda  da polícia e na frente uns montes de sacos de roupa, a minguada bagagem do emigrante.

   Contemplei-os detalhadamente e desta grosseira reprodução, onde há homens tristes, de cabeças curvadas, veio-me toda a algida resignação dos míseros que não conseguiram realizar a derradeira esperança.

   Novos, fortes, saíram pela raia seca do norte, a exemplo de tantos outros milhares que escapam as estatísticas oficiais, e em terras de Espanha se entregaram, candidamente, aos embustes dos engajadores clandestinos; Por fim embarcaram e os bisonhos serranos olhavam atónitos a vastidão aterradora do mar; diziam-lhe que para nascente ficava a costa portuguesa e lá para dentro as terras só deles conhecidas, que talvez não mais tornassem a vêr; mas à entrada de Lisboa, os cúmplices dos engajadores amontoavam-nos sob as camas de uns beliches afastados, que torturas então passaram enquanto a denúncia fazia a sua obra. Descobertos e presos desembarcaram e quando interrogados - 

confessam tudo sem evasivas.
   
 Que lancinantes dias passaram esses míseros, desde os ardis para passarem a fronteira, até à hora sinistra em que entrados em águas do seu país, confessam tudo!
 E que mais poderiam eles fazer?

    A negativa é ainda uma esperança, a não confissão presume ainda energia, e eles nem acalentam    a esperança, nem abrigam nas almas energia.


                                       

   São agora uns destroços, inertes, sem vontade e sem norte;vão para onde os impelirem, com a indiferença amorfa de uma docilidade inconsciente.
    Sacrificando a ultima leira hipotecada, conseguiram juntar as libras que os engajadores exigiam e com os seus corpos vigorosos contavam, em terras distantes, conseguir juntar uns centos de mil reis para voltar e pagar a hipoteca e as demais dívidas, arredondar as hortas e bouças herdadas e dar melhor passadio às mulheres, aos pais ou aos filhos.
   E tudo se desvaneceu!
   Hoje são uns criminosos, a lei exige o seu castigo.
   Porquê ?
   Porque tinham de ficar, presos pelo serviço militar, que só os dispensaria em anos afastados, em idades em que já os seus braços nada poderiam, em que lá não os aceitariam, em que nada poderiam tentar, e então fugiram.
   Mas fugiram por cobardia dirá a lei.
   Cobardes eles e toda a legião enorme de desgraçados que da Europa vão para terras exóticas?
   Não.
   Os perigos que vão arrostar, ainda que os desconheçam por completo, contudo hão-de surgir com formas aterrantes nas suas rudimentares imaginações e nada os detem; se fossem cobardes ficariam.
   Não tem decerto a coragem retumbante, mas também não os manieta a cobardia. Cobardes, não. Desgraçados, sim.
   Mas, dirá ainda a lei, e a defesa da Pátria?
   Augusta é ela, e por isso mesmo dominante; mas poderá igualmente ser sentida em todos? não. A compreensão é diferente e vai desde a noção hipertrofiada, e como tal defeituosa do internacionalista, até
à limitada concepção dos que identificam a pátria com os horizontes que a conhecem. Esses que foram eram dos últimos, dos que sentem a pátria na leiva que lavram, na água que represam, nas árvores que plantaram e vértices dos montes circunvizinhos; o bem e o mal da pátria aferem-no pelo bem ou pelo mal que os rodeia. É uma noção bem restrita, mas não é inferior e talvez seja preferível à que alardeiam os leitores de brochuras e jornais dissolventes, em que a pátria é composta pelos membros de um club, tem por limites as paredes de uma casa e por ideal a imposição dos seus programas.
   Os pobres trabalhadores rurais sacrifícam-se pelo que lhes representa a pátria - a terra - os outros exigem que a sua pátria se sacrifique pelas suas vontades e pelas suas exigências. Ora tendo aqueles a noção da pátria, derramar o seu sangue por ela é tanto, como trocar anos de vida por ouro, e trazer um punhado de metal para benefício da terra da sua pátria.


OS MUROS POR VEZES QUEBRAM ( Foto de J.P.L. Ano 2011 )
                                         
    A outra, a grande, a apregoada Pátria das gazetas, só a conhecem sob as formas de eleição, do imposto, do oficial de diligências, etc., e essa digam-lhes os períodos mais bonitos que quiserem, essa não a podem amar, porque a eleição lhes mostrou a perfídia dos dirigentes, o imposto lhes desvendou a sua impiedosa coacção e o oficial de diligências lhes abriu os alçapões das leis.
    Eles, fugindo ao serviço militar, nem eram uns cobardes, nem renegaram a sua Pátria, mas sómente aquela que os dirigentes não se tinham esforçado por que eles a amassem.
    Homens do  poder em Portugal, homens de ontem, homens de hoje, homens de amanhã, os únicos culpados dos crimes desses vencidos foram, são e sereis vós.
   Fazei um Pátria acalentadora e boa, carinhosa e justa, para todos os seus filhos, arranjai uma Pátria, onde não se sinta a fome, nem a miséria, nem o vexame, nem a perseguição, nem o ódio, nem a ameaça, nem a tirania, nem a afronta, nem o embuste, a dominar e a dirigir, e não mais haverá quem deixe de servir a Pátria ou vertendo o sangue em campos de batalha, ou calejando as mãos nas ceifas das searas. ""

 Foram estas palavras transcritas de um texto publicado na "  Gazeta das Aldeias " sendo seu autor Júlio de Melo e Matos. 
 Estava-mos então em 7 de Fevereiro de 1915. Foi há 96 anos.
 Excluindo alguns detalhes, por demais óbvios, estas sábias palavras teem uma actualidade que em nada nos deve orgulhar.

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