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3.4.24

O REI SEM ABRIGO.

 

"O facto de uma amante não ter sido só e apenas isso foi um problema"

O diplomata José de Bouza Serrano publicou este ano a obra 'O Rei Sem Abrigo - Don Juan Carlos I de Espanha', na qual fala sobre a vida do antigo soberano espanhol, desde a infância até aos dias de hoje. Em entrevista ao Fama ao Minuto, o autor partilhou o que o motivou a contar esta história agora e falou sobre o episódio mais trágico da vida do rei emérito e aqueles que considera terem sido os maiores acertos e erros do seu percurso enquanto Chefe de Estado, que durou quase 40 anos.

"O facto de uma amante não ter sido só e apenas isso foi um problema"
Notícias ao Minuto

03/04/24 09:20 ‧ Há 8 Horas por Inês de Brito Martins

Fama José de Bouza Serrano

José de Bouza Serrano é diplomata e esteve destacado em embaixadas de diversos países, entre os quais Espanha, onde fixou residência entre 1984 e 1989, altura em que coincidiu em diversas ocasiões com o então soberano, Juan Carlos I. 

Em janeiro de 2024 escreveu o livro 'O Rei Sem Abrigo - Don Juan Carlos I de Espanha', no qual conta a história de vida do rei emérito, desde a infância até aos dias de hoje, sem esquecer a conjuntura política que acompanhou todo este período.

Da ditadura franquista à monarquia constitucional, José de Bouza Serrano fala sobre a infância de Juan Carlos no exílio, a trágica morte do irmão mais novo, Don Alfonso, as amantes e as dívidas fiscais, entre outros temas que marcam a vida do rei emérito.

‘Sem abrigo’, é um título muito forte.  Mas como é que se classifica uma pessoa a quem não é permitido dormir no seu país, onde foi rei durante 40 anos?

Porque é que decidiu escrever este livro agora?

Este ano assinalam-se dez anos da abdicação do rei Juan Carlos, mas nem foi tanto por causa disso. Era uma coisa que eu queria ter feito há já algum tempo, por ser uma pessoa que admiro muito. Um dia, quando puserem os dois pesos na balança e virem bem o que ele fez pelo país, o seu fim de reinado acabará por ser, não esquecido, mas, no mínimo, desvalorizado. Não terá a importância que hoje em dia lhe damos.

Optou por um título forte - ‘O Rei Sem Abrigo - Don Juan Carlos I de Espanha’. Porquê esta escolha?

‘Sem abrigo’, é um título muito forte. Mas como é que se classifica uma pessoa que, por exemplo, vai à festa dos 60 anos da filha mais velha [a infanta Elena, celebrados no passado dia 23 de dezembro] e não lhe é permitido dormir no seu país, onde foi rei durante 40 anos?

Agora, olhando para trás, é fácil perceber que foi um erro (...) E é também difícil, quanto mais tempo passa e mais confiança se vai dando à pessoa, acreditar que ela nos vai atraiçoar desta forma 

O rei teve várias amantes ao longo da vida, sendo a mais conhecida Corinna Larsen, não só por ter sido um caso relativamente recente, como também pelo facto de a empresária ter sido paralelamente um apoio para o antigo soberano nos negócios. Considera que foi um erro Juan Carlos ter ‘misturado’ o lado sentimental com o profissional?

O facto de uma amante não ter sido só e apenas isso foi um problema. O mais que poderia ter acontecido era essa mulher ter sido revelada como amante do rei, mas ele teve várias e nunca isso foi um problema.

O problema está em tudo o resto. Ela criou duplo papel. No fundo, ele admirava-a muito fisicamente. Por outro lado, ela era uma mulher muito esperta, uma mulher de negócios, muito hábil e ele ficou seduzido por tudo isso. Além disso, ela assume um papel de destaque numa altura em que o rei tinha ficado sem o gestor dele e ela era ótima para o cargo, muito organizada, sabia muito bem apresentar as coisas. E entrou numa série de funções, incluindo junto dos ‘irmãos árabes’, como Juan Carlos chamava a alguns líderes dos Emirados. Talvez tenha sido esse o erro, ela acabou por saber demais.

Não considera essa atitude do rei um pouco ingénua?

Completamente. Ele sempre acreditou na sua ‘boa estrela’ e achou que ela se tinha apaixonado perdidamente por ele, com aquela idade… como se ele fosse eternamente jovem! Considerou que ela nunca iria ‘pôr a boca no trombone’ e contar o que sabia [sobre os negócios com a Arábia Saudita, que valeram a Juan Carlos uma avultada dívida às Finanças e a saída de Espanha]. Agora, olhando para trás, é fácil perceber que foi um erro, mas na altura talvez não fosse assim tão óbvio. E é também difícil, quanto mais tempo passa e mais confiança se vai dando à pessoa, acreditar que ela nos vai atraiçoar desta forma.

Ele nasceu no exílio e, neste momento, ninguém diz que ele está nessa condição. Mas no fundo é um exílio

Diz-se que o rei a certa altura quis divorciar-se da rainha Sofía para se casar com esta amante…

Claro, mas ela nunca, nunca se iria divorciar. E muito menos depois das traições e de tudo o que aguentou ao longo de tantos anos. E ela, sendo grega, goza de popularidade entre os espanhóis, que é coisa, por exemplo, que com a Rainha Letizia, que é espanhola, já não acontece tanto.

Porque é que Juan Carlos terá decidido abdicar do trono ainda antes de celebrar 40 anos de reinado?

O rei nem abdicou logo, porque achava que o casamento dos então príncipes de Astúrias – Felipe e Letizia - não estava ao nível de solidez e popularidade do dele com a rainha Sofía. Por outro lado, o seu apego ao poder também contou. Ele passou por muito, teve de ‘comer cobras e lagartos’ para chegar ao trono, queria muito celebrar os 40 anos de reinado e isso não lhe foi permitido.

Depois, foram uma série de acontecimentos que precipitaram o fim, incluindo aquela caçada no Botswana. Numa altura em que o país enfrentava dificuldades - tal como Portugal – o rei ausentar-se para fazer uma caçada sem avisar ninguém… Poderia ter passado despercebido, não fosse o terrível acidente que sofreu [caiu e fraturou a anca], que o obrigou a ser transportado para Madrid para ser operado.

Estou convencido de que, apesar das divergências dos últimos anos, a vontade do filho [Felipe VI] é que o pai regresse. Se nas próximas eleições houver uma viragem à Direita – qualquer Direita -, acho que o rei voltará 

Desde agosto de 2020 que o rei reside fora de Espanha, nos Emirados Árabes Unidos...

Ele nasceu no exílio e, neste momento, ninguém diz que ele está nessa condição. Mas no fundo é um exílio.

O que é que teria de acontecer para Juan Carlos poder deixar Abu Dhabi e regressar a Madrid?

Basta este governo sair, basta Pedro Sánchez sair. Estou convencido de que, apesar das divergências dos últimos anos, a vontade do filho [Felipe VI] é que o pai regresse. Se nas próximas eleições houver uma viragem à Direita – qualquer Direita -, acho que o rei voltará.

Qual considera que foi o maior erro no percurso do rei ao longo das quase quatro décadas em que reinou?

Ter acreditado demasiado na sua ‘boa estrela’ e na sua intuição. E depois, ter tido uma grande necessidade de ser feliz. Ou seja, de ter uma série de coisas de que se privou durante muito tempo, nomeadamente durante a infância e adolescência, em que imperou a ditadura de Franco.

Ele achou sempre que ia escapar dos problemas, até porque durante muito tempo havia um certo pacto com a imprensa [de não atacar a imagem da monarquia]. Mas os tempos mudaram. As traições são mal vistas, muito pior do que antigamente e claro, compreende-se, é uma questão de moral.

E o maior acerto?

Sem dúvida, levar a democracia para Espanha, após o regime franquista, algo que parecia impensável. E, além disso, conseguir mantê-la.

Ele teve tudo, chegou até mais longe do que sonharia ter chegado, conseguiu uma popularidade extraordinária e mudou o radicalmente o país. Mas nada disso lhe tira aquela mágoa que ele tem 

Há um capítulo no livro no qual refere que existem pessoas que acreditam que são amigas dos reis, por se moverem nos mesmos círculos, mas que isso não podia estar mais longe da verdade. Quer explicar?

Claramente não são. Os amigos do rei são os seus parentes, aqueles que são iguais a ele. Os restantes são pessoas que podem ser úteis num certo momento do reinado, mas que depois... Os reis são educados para serem bem educados. Portanto, são pessoas atenciosas, o que faz com que quem se relaciona com eles, mas não pertença à sua família, acredite sempre que está mais próximo do que realmente está. É apenas uma relação de conveniência.

Na obra diz que Juan Carlos não gosta de ser tratado por ‘rei emérito’. Porquê?

De facto, não gosta. Porque dá uma ideia de fim, de um reinado que já acabou, e isso não é uma ideia que lhe agrade. Mas tem de ser, até para o distinguir do filho, que é quem agora reina.

Considera que, atualmente, o povo espanhol é um pouco ingrato em relação a Juan Carlos, desconsiderando a conjuntura política que o levou a ascender e a manter-se no trono?

As novas gerações talvez, porque nunca viveram no franquismo. Não sabem o que se passou. Já nasceram em democracia e acham que foi sempre assim. O grande problema hoje em dia, principalmente das novas gerações, é uma certa falta de perspetiva histórica. Mas vejo acontecer o mesmo em Portugal.

É possível que toda a gente faça pouco dela. Onde já se viu a neta do rei a fazer essas figuras?

Quando era ainda adolescente Juan Carlos encontrava-se com o irmão, Alfonso, quando uma desgraça aconteceu. Ambos tinham uma pistola, que disparou acidentalmente e matou o mais novo dos filhos dos condes de Barcelona. Diz-se – ainda que nunca tenha sido comprovado – que era Juan Carlos quem segurava a arma…

Aquele episódio marcou-o para a vida toda. Mas ele soube sempre esconder bem isso. No entanto, o rei tem um olhar triste, um olhar melancólico. Ele teve tudo, chegou até mais longe do que sonharia ter chegado, conseguiu uma popularidade extraordinária e mudou o radicalmente o país. Mas nada disso lhe tira aquela mágoa que ele tem.

Regressando agora à atualidade, Victoria Federica – neta de Juan Carlos e filha da infanta Elena – decidiu há cerca de dois anos ‘abraçar’ a vida de influenciadora digital e vai até, em breve, entrar num reality show, 'El Desafío'. Como é que vê isso?

Vejo pessimamente. Não pode chegar a isso, de maneira nenhuma. As pessoas têm de guardar o seu círculo. Não é que não se possam dar com toda a gente, claro que podem, mas não foram criadas para isso [participar em programas televisivos e ter uma vida demasiado exposta]. Lamento, mas não se pode misturar desta forma. É possível que toda a gente faça pouco dela. Onde já se viu a neta do rei a fazer essas figuras?

Juan Carlos diz que gostaria de ser lembrado por ter cumprido o seu dever e por ter sido honesto. E isto não será possível

Acredita que Juan Carlos, olhando para todo o seu percurso enquanto monarca, terá alguma grande mágoa?

Acho que ele tem. Por estes últimos anos mais tristes. Juan Carlos diz que gostaria de ser lembrado por ter cumprido o seu dever e por ter sido honesto. E isto não será possível, não só pelos escândalos que salpicaram os seus últimos anos de reinado e de vida, como também pelo facto de ser preciso sempre um rei manter uma certa distância e alguma discrição e segredo. Tudo isso faz com que seja difícil que venha a ser recordado pela honestidade.

Qual o seu próximo projeto?

Para já não tenho nada em mãos. Gostava muito de escrever um romance, mas não sei se serei capaz! [risos] Seria uma obra com base nos meus 40 anos no Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Leia Também: Infanta Elena em Abu Dhabi para passar a Páscoa com Juan Carlos

24.11.23

JOSÉ RODRIGUES DOS SANTOS e o seu O SEGREDO DE ESPINOSA

 

"Quando sai um livro meu, há famílias em que todos o compram e debatem"

O mais recente livro de José Rodrigues dos Santos, intitulado 'O Segredo de Espinosa', procura reforçar a importância de Bento de Espinosa, o "maior filósofo da nossa história", na sociedade que hoje temos.

"Quando sai um livro meu, há famílias em que todos o compram e debatem"
Notícias ao Minuto

24/11/23 09:30 ‧ Há 7 Horas por Filipe Carmo

Fama José Rodrigues dos Santos

Para José Rodrigues dos Santos, a arte de escrever livros está cronometrada. Em outubro, todos os seus leitores aguardam pelo lançamento de um novo romance, o que acontece há já vários anos. Por norma, seguem todos o mesmo caminho: depois de publicados, tornam-se best-sellers.

Foi esse desconhecimento injustificado que levou José Rodrigues dos Santos a focar-se no percurso deste filósofo de origem judaico-portuguesa, que nasceu nos Países Baixos e era filho de refugiados portugueses na Sinagoga Portuguesa de Amesterdão. Após a sua morte, a 21 de fevereiro de 1677, Espinosa foi remetido ao esquecimento no nosso país, o que o pivô da RTP assume não compreender.

Para José Rodrigues dos Santos, o ano de 2023 também fica inevitavelmente marcado pela estreia da série 'Codex 632', inspirada no livro homónimo da sua autoria que teve a sua primeira edição em 2005. Ficou a produção da estação pública a par do que o jornalista esperava? Foi isso que também procurámos saber nesta conversa.

'O Segredo de Espinosa', segundo nos diz, fala-nos do maior filósofo português da História. Por que motivo considera que Bento de Espinosa foi, de facto, o maior filósofo que Portugal já conheceu?

O Espinosa é autor de grandes revelações que mudaram a nossa sociedade e que criaram aquilo a que chamamos Ocidente, ou as democracias liberais. Ele criou o nosso mundo, digamos assim. Além disso, ele era português, um português que Portugal rejeita, o que é estranhíssimo. Então ele é o maior filósofo da nossa História, o maior intelectual português de sempre, e nós não o reconhecemos? Temos pontes e aeroportos dedicados a políticos e não sei quê, e então o nosso maior filósofo, como o homenageamos? Se formos aos Países Baixos, há estátuas de Espinosa em todo o lado, as escolas dedicam-lhe semanas culturais, o edifício do governo, digamos que é o Palácio de São Bento em Haia, tem esculpidas na fachada as 22 frases de Espinosa, de tal modo eles homenageiam este grande filósofo português. Achei que era a altura de recuperar o conhecimento para Portugal desse que foi o seu maior intelectual de sempre e que, por razões misteriosas, decidimos - e estamos empenhados - em esquecer.

Na sua opinião, a razão é de facto misteriosa ou há um motivo mais profundo que ajuda a justificar o facto de o remetermos, enquanto sociedade, para o esquecimento?

Não sei, sinceramente, presumo que seja ignorância pura e simples. Antes de o livro ser publicado, as pessoas perguntavam-me, como fazem sempre por essa altura, qual seria o tema do meu próximo romance e eu disse-lhes: 'não posso revelar ainda, mas o que posso dizer é que é a história do maior filósofo português'. Todos me disseram ‘é o padre António Vieira' ou 'é o Agostinho da Silva'. Só a reitora da Universidade Católica é que me disse 'então é o Bento de Espinosa'.

Quando, no fim, revelei que o Espinosa era português, houve muita gente, até figuras públicas, que disseram que eu estava a brincar. Ele era português, o pai era da Vidigueira e a mãe era de Ponte de Lima ou Porto, não há certeza. As pessoas não sabem que ele falava português, que pensava em português...

Há um ataque das ditaduras à democracia liberal, um ataque ao mundo de Espinosa.De que forma teve acesso à informação de que precisava?

Li toda a obra de Espinosa, duas biografias feitas por contemporâneos seus, que têm muita informação, li cartas que ele trocou com amigos.. Essencialmente foi assim que tive acesso à vida e ao pensamento dele.

O lançamento deste livro nesta altura também está, de alguma forma, relacionado com o facto de estarmos a testemunhar dois conflitos mundiais?

Como já disse, o Bento de Espinosa criou as democracias liberais. Estamos com duas guerras, uma Ucrânia e outra entre Israel e o Hamas, e no caso da guerra na Ucrânia, não é uma simples guerra entre dois países, é uma guerra entre as ditaduras e o Ocidente. A guerra entre Israel e o Hamas é uma guerra entre o conceito de ditaduras porque o Hamas não representa as democracias, atenção. Estamos a falar de conflitos que têm naturezas diferentes mas, olhando para a História, nós constatamos que estamos numa situação muito semelhante à de 1939, quando o pacto nazi-comunista, entre Hitler e Estaline, abriu caminho à guerra.

Os conflitos entre Ucrânia e Rússia e o de Israel com o Hamas têm naturezas completamente diferentes, mas o facto de ocorrem ao mesmo tempo, agora, não é uma coincidência. Há um ataque das ditaduras à democracia liberal, um ataque ao mundo de Espinosa.

Notícias ao Minuto
© Editora Planeta - Divulgação  

O José defende que os romances também podem ser complexos e esse é um dado que os seus leitores já sabem à priori, antes mesmo de comprarem os livros que escreve. Numa altura em que os portugueses leem cada vez menos, não considera curioso que continue a ser um dos autores mais lidos do país e, ao mesmo tempo, alguém que faz questão de escrever livros com tanta informação histórica e que façam refletir?

É óbvio que a literatura pode servir para várias funções, mas, para mim, a função mais nobre da literatura é fazer-nos refletir sobre as coisas, por isso é que os meus romances são reflexões e abordam todas as áreas do conhecimento, desde a física à biologia, à etimologia, inteligência artificial, economia, política, filosofia , história... Há muitas famílias que me dizem que, quando sai um livro meu, todos o compram e leem e que, no final, debatem sobre as ideias do livro. Isso acontece.

Há também o problema de termos uma cultura de que o escritor que é lido não é escritor

O que acha que poderia ajudar a combater a diminuição da taxa de leitura no nosso país?

Em Portugal, não existe uma estratégia para incentivar a leitura. No confinamento, enquanto nos outros países a leitura aumentou, em Portugal diminuiu. Chegámos ao ridículo de o Governo decretar que se pusessem vedações nos supermercados para impedir as pessoas de comprarem livros, o que é uma coisa absolutamente obscurantista e que, extraordinariamente, não levantou protestos de ninguém. Há também o problema de termos uma cultura de que o escritor que é lido não é escritor. Este preconceito instalou-se e faz com que se encoraje os escritores a escreverem livros que as pessoas não conseguem ler. Aqueles que se proclamam grandes defensores dos direitos do povo, são os primeiros a exigir uma literatura a que o povo não consegue aceder, são contra a democratização da leitura. Também é preciso sublinhar que, com o empobrecimento do país, as pessoas leem menos, os números estão aí para o demonstrar.

Não posso deixar de abordar o 'Codex 632', que ganhou um novo destaque com o lançamento da série da RTP. Acredita que, de certa forma, se fez renascer este livro e que o mesmo possa até ter ganhado uma nova vida?

Não sei... o 'Codex 632' é um livro que continua a vender. Não se vende como se vendia no início, porque já vendeu mais de 200 mil exemplares e muita gente já o tem, mas é um livro que vai saindo, aqui e no estrangeiro, atenção. Se tem uma segunda vida? Sim, através da televisão. O livro em si não sei, caberá às pessoas, se tiverem interesse em recuperá-lo... ele permanece atual, estranhamente, ao fim de tanto tempo.

Acho que é uma série americana falada em português, tem o nível de uma série americana

De que forma acompanhou o processo de criação da série? Fez parte da escrita do argumento, por exemplo?

Dei o apoio para a elaboração do guião. Eu não era o guionista, mas dei o apoio, ajudei nas várias áreas que eram necessárias para garantir que a aventura do Tomás na série fosse a mesma aventura do Tomás no livro, o que acho que foi muito bem conseguido.

Está satisfeito com o resultado final? Foi desta forma que imaginou a história a ser contada?

Sim, está muito acima das minhas expetativas em relação a um projeto desta dimensão. Foi muito bem conseguido, a todos os níveis. Quem olha para a série, ao nível do guião, realização, interpretação, música e montagem, vê o que é necessário para que seja considerada uma boa série. Acho que é uma série americana falada em português, tem o nível de uma série americana.

Notícias ao Minuto José Rodrigues dos Santos com Paulo Pires, protagonista da série 'Codex 632', no evento de apresentação da coprodução da RTP e Globoplay© RTP 

13.11.23

DESAPARECIDOS EM PORTUGAL.

 

'Sem Rasto'. Desaparecimentos em Portugal que continuam a ser mistério

Obra dos jornalistas Luís Francisco e José Bento Amaro dá voz "aos que sofrem e aguentam o drama" de não saberem o que aconteceu aos seus entes queridos.

'Sem Rasto'. Desaparecimentos em Portugal que continuam a ser mistério
Notícias ao Minuto

13/11/23 09:50 ‧ Há 1 Hora por Natacha Nunes Costa

País Literatura

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, por e-mail, os escritores, que são também jornalistas, realçaram que, apesar deste livro ser sobre desaparecidos, dá voz "aos que sofrem e aguentam o drama" de não saberem o que aconteceu aos seus entes queridos. É um tributo a estes 'sobreviventes'.

No livro, encontramos histórias tão conhecidas como a de Rui Pedro e de Maddie, mas também nomes que já se apagaram da memória da maioria dos portugueses. É o caso de Cláudia Silva e Sousa, de apenas sete anos, que desapareceu em 1994 no trajeto de 400 metros entre a escola e a sua casa, em Lamela, freguesia de Oleiros. Ou o de Sofia de Oliveira, uma menina de dois anos, da Madeira, que desapareceu nos braços do pai e nunca mais foi vista.

Na obra de Luís Francisco e José Bento Amaro há ainda espaço para o mistério dos seis desaparecidos nos trilhos da Madeira e para as histórias quase sobrenaturais em redor destes desaparecimentos, assim como para os corpos nunca reclamados que estão anos à espera nas morgues para que alguém lhes dê um fim digno.

Como é que surgiu a ideia de escrever um livro sobre as pessoas desaparecidas em Portugal? Foram casos com que lidaram ao longo das vossas carreiras de jornalistas e que vos sensibilizaram?

Luís Francisco  - A ideia partiu do nosso editor, o Francisco Camacho. Enquanto jornalista, lidei com algumas delas, mas não no terreno. Era editor de Sociedade do Público na altura em que alguns deles foram notícia de forma mais intensa. O José Bento Amaro trabalhou alguns casos diretamente.

José Bento Amaro - Sim, ao longo dos anos trabalhei em diversos casos relacionados com pessoas desaparecidas. São sempre situações que deixam uma marca. Por muito experientes que sejamos e por muito que possamos ocultar as nossas emoções, a verdade é que o sofrimento alheio nos marca.

No livro 'Sem Rasto' contam a história de quem desapareceu e dão voz aos que ficaram com a dor do "silêncio e da ausência". Com que estado de espírito encontraram estas famílias? A esperança ainda mora nelas? Como é que elas fazem para sobreviver perante a – como o Luís e o José descrevem – "mais profunda das angústias"?

Luís Francisco - Mesmo nos casos mais antigos, em que o tempo foi criando uma certa "armadura" contra o sofrimento, ainda percebemos a angústia de não haver uma explicação, um ponto final para colocar na história. E, claro, fica sempre aquela esperança (por mais irracional que possa parecer a quem está de fora…) num milagre, num final feliz. É uma realidade pesada, dolorosa. Sobreviver-lhe é algo de sobre-humano. A esperança dos familiares e amigos só morre quando o óbito é confirmado. Até que isso aconteça, mesmo que não o revelem, todos têm esperança num desfecho feliz. É essa espera, essa ansiedade diária, que acaba por vincar ainda mais o sofrimento de quem aguarda.

Além dos casos mais mediáticos, da Maddie e do Rui Pedro. Que outros casos de desaparecimentos misteriosos podemos encontrar no livro? Há algum que vos tenha tocado mais?

Luís Francisco - O caso da Sofia de Oliveira, porque o pai levou-a e sabe o que aconteceu. Já cumpriu pena, mas não revela para onde levou a filha e não parece ter remorsos nem vontade de falar sobre isso. Um argumentista de Hollywood não imaginaria um enredo mais negro. E também o caso da Cláudia Alexandra, a 'Carricinha', por ter atingido uma família que já acumulava tanto sofrimento. A explicação da mãe, que garante ter encontrado forças para sobreviver por causa do bebé pequeno que tinha para criar, é das coisas mais fortes que já ouvi.

Escolheram o pai de Rita Slof Monteiro, desaparecida em 2006, para apresentar 'Sem Rasto'. Porquê?

Luís Francisco - Porque este livro é sobre os que desapareceram, mas é, essencialmente, um tributo aos que ficam, sofrem e aguentam esse drama. Quisemos dar-lhes voz. Por isso, era uma escolha inevitável.

Falam também dos seis estrangeiros que desapareceram "sem explicação" na ilha da Madeira, nos últimos anos. Que respostas encontraram sobre estes casos?

Luís Francisco - Nenhumas. Ficam é mais perguntas. Mais uma vez, estivéssemos nós nos EUA e já haveria filmes sobre tudo isto.

José Bento Amaro - A Madeira é muito montanhosa e com zonas muito isoladas. Lembro-me de no início da década de 1980, quando lá estive pela primeira vez, ter conhecido pessoas que habitavam no interior da ilha e que nunca tinham visto o mar.

No livro revelam ainda como se investiga estes casos. Apesar de cada caso ser um caso, quais são as principais regras?

Luís Francisco - A regra principal deve ser sempre o respeito pelas famílias em sofrimento. Por norma, como em quase todas as investigações policiais, são determinantes as primeiras 48 horas. É nesse período que é possível recolher depoimentos mais frescos, encontrar eventuais pistas. Outra regra que faz parte da atividade policial diz que um caso, por mais anos que passem, nunca deve ser dado por encerrado. Há vários episódios de investigações policiais que pararam no tempo, por vezes durante anos, e que depois voltaram a ser reabertos.

Outro capítulo do livro é dedicado aos cadáveres não reclamados que estão há uma eternidade à espera que alguém os levante nas morgues. Como descrevem estas situações?

Luís Francisco - As morgues são locais sinistros que guardam aqueles que viveram quase sempre sozinhos, desacompanhados. Há corpos há muitos anos guardados em câmaras frigoríficas, à espera que surja alguém que os identifique. São os corpos de indigentes, de sem-abrigo, de doentes. Isso só acontece porque, mais uma vez, o Estado falha na sua função de proteger e dar uma vida digna a cada cidadão, independentemente da sua condição social.

Felizmente, nem todos os casos de desaparecidos acabam mal. A maior parte resolve-se ao fim de algumas horas ou dias. Há algum ponto em comum nas cerca de 4 mil participações de pessoas desaparecidas que as autoridades portuguesas recebem todos os anos? A maior parte destes reportes diz respeito a que tipo de pessoas/situações?

Luís Francisco - Jovens que 'fogem' de casa para adiar serem chamados à realidade devido a questões escolares ou comportamentais; adultos que querem fugir ao matrimónio ou a dificuldades económicas; idosos com problemas de memória ou pessoas com descompensações mentais que se afastam e não sabem regressar a casa; crianças pequenas que se perdem. Na sua maioria, resolvem-se com alguma rapidez. Sobram os outros, os que nos deixam perante mistérios insolúveis ou aqueles que se resolvem e nos fazem enfrentar realidades impensáveis.

O livro 'Sem Rasto' já está à venda nos locais habituais.

7.8.20

UM CAÇADOR TINHA UM CÃO . . .

Tenho revisto com muito carinho alguns dos meus livros de criança.
 Entre eles encontrei o " Leituras " para a 3ª Classe que como muitos dos que conservo e estimo ainda me vão recordando algumas lições ainda hoje úteis.
 Como exemplo escolhi o seguinte texto:


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 ANEDOTA

         " Há muitas pessoas que, a ler ou a escrever, pouca ou nenhuma importância ligam às vírgulas, pontos e vírgulas e até pontos finais, passando por tudo isso a fugir, como gato por brasas, sem se lembrarem de que, quem muito corre, mais sujeito está a tropeções.
        Pois para se ver até onde chega a importância de um ponto e vírgula, aí vai uma frase que, sem essa pausa, representa um autêntico disparate, que ninguém entende:

                                          Um caçador tinha um cão e a mãe do  caçador  era também o pai do cão.

      Como se vê, a mãe do caçador ser também o pai do cão é coisa sem pés nem cabeça; e, no entanto, basta colocar um ponto e vírgula adiante da palavra mãe, para a frase ficar perfeita, assim:

 Um caçador tinha um cão e a mãe; do caçador era também o pai do cão.
      
E aqui têm como um simples ponto e vírgula - sinal que tanto desprezam, quando lêem e escrevem - teve o poder de explicar que ao tal caçador pertenciam, além do cão, a mãe e o pai do mesmo. "



 Como já referi trata-se de uma lição extraída do livro da 3ª classe do já longínquo ano de 1945.

Foram seus autores: Manuel Subtil; Cruz Filipe;Faria Artur e Gil Mendoça.

 Em relação aos tempos actuais merece-me um comentário de tristeza quando olho para a televisão e observo as agressões à língua nos mais banais escritos de " rodapé " aquando dos noticiários e não só.Nos jornais, na internet, etc.

 Enfim temos o que merecemos! Nisto e em muito mais.

Nota. À palavra leem, no acordo ortográfico ora vigente, foi suprimido o acento circunflexo.

2.1.20

LIVRO DE ACTAS CAMARÁRIAS DO SÉCULO XVII RECUPERADO PELA POLÍCIA











Um livro de atas camarárias do século XVII desapareceu da Câmara de Penedono e estava à venda no site de um alfarrabista em Torre do Moncorvo. 
 
Os responsáveis já foram identificados mas falta perceber se o documento foi roubado ou simplesmente perdido.
 
© Expresso
 
  Tem 240 páginas manuscritas, é pouco maior do que uma folha A4 e estava à venda na internet e num alfarrabista de Torre de Moncorvo por 1600 euros.
 
 Trata-se de um livro de atas de reuniões camarárias realizadas entre 1657 e 1662 em Penedono e foi recuperado PJ do Porto depois de os responsáveis pelos arquivos camarários terem dado pela falta do livro.


Segundo uma fonte policial, o alfarrabista terá agido de boa fé e comprou o livro a um terceiro elemento que já foi identificado mas ainda não foi interrogado pela policia.
 
 O alfarrabista é, pelo menos para já, testemunha no processo e foi-lhe pedido que dissesse à polícia a quem comprou o livro.
 
 Falta perceber como é que o documento desapareceu dos arquivos camarários: se foi roubado ou se se perdeu numa das mudanças de instalações.

A PJ foi avisada há três dias pela Câmara Municipal de Penedono e conseguiu localizar o livro - cujo valor real ainda não foi determinado - no site do alfarrabista que o tinha exposto na montra do estabelecimento. Não sofreu quaisquer danos.
 
 O livro está à guarda do Laboratório de Polícia Científica para determinar a sua autenticidade.
Apesar de já ter sido apreendido, o livro continua no site do alfarrabista e é descrito como "um Importante documento respeitante à Câmara de Penedono" que "possui todas as deliberações camarárias no período compreendido de 1657 a 1662".
 
 O site salienta que "as atas registam os cativos, as armas, os gados" e estão "rubricadas ” Rodrigues” , juiz ordinário na villa de Penedono". 
 
Tem "ainda mais 40 fólios assinados Marques". Segundo a descrição, "falta a capa em pergaminho" mas "ainda possui a contracapa, esta com vestígios de texto anterior". "Uma obra com muito interesse", garante o alfarrabista.
 
 
 
 Ver a imagem de origem

2.6.19

O MUNDO DO LIVRO


Já poucos são os que entram em museus, teatros ou livrarias.

 Não conseguem competir com o cinema, a Netflix e os festivais de música. O Mundo do Livro é um desses locais ignorados, apesar de ser lá que se pode conhecer um “resistente”.

 O dono, João Rodrigues Pires, tem 100 anos e continua a dirigir a sua própria livraria, o que lhe confere o palmarés de livreiro mais antigo de Portugal.
O Mundo Do Livro já foi só do livro, mas atualmente é de muitas outras coisas. Gravuras antigas, mapas, reproduções, molduras, pinturas e postais preenchem este ex-líbris lisboeta, onde o que se mantém imutável é o fundador: há quase 80 anos que João Pires passa os seus dias à frente desta loja que já viu Lisboa mudar e que recentemente conseguiu duas distinções:

 A sua livraria foi considerada “Loja com História” e foi condecorado pelo Presidente da República, com o grau de Comendador da Ordem do Mérito. 
Porque as noticias não escolhem hora e o seu tempo é precioso.Com 100 anos recentemente celebrados, o Sr. Pires continua a ir e vir todos os dias de táxi até à sua loja no centro da capital, onde sobe e desce pelos três andares do edifício pombalino sem quase se notar o peso da idade.

 É natural de Santo Amaro de Oeiras, viveu 10 anos da sua infância em Cacheu, na Guiné, mas passou toda a vida no Chiado, primeiro em várias livrarias reconhecidas, como a Bertrand e a Sá da Costa, e depois assentando arraiais por conta própria. 

A livraria O Mundo do Livro abriu portas em 1941, na Rua Nova da Trindade, no vão de escadas do edifício onde ainda hoje se encontra a Academia dos Amadores de Música, e em 1946 mudou-se para a morada que mantém, no Largo da Trindade. 

Começou aos vinte e poucos anos com 200 livros e 300 escudos, num Chiado intelectual, onde circulavam clientes com poder de compra num mundo pré-Internet.

 Hoje passam-se dias sem que venda um único livro - as gravuras chegaram para apoiar o negócio em declínio dos livros antigos -, mas o Sr. Pires diz estar orgulhoso:
 “Fiz coisas que nenhum livreiro fez, edições de livros e cerca de 400 gravuras que nunca tinham sido reproduzidas.” O bibliófilo está sempre pronto a ajudar a encontrar um livro ou uma gravura e também a trocar dois dedos de conversa e partilhar uma ou outra história.

 Naturalmente, ao longo da vida que passou à frente da livraria que fundou após a Guerra Civil de Espanha, os episódios caricatos foram-se acumulando. 

Desde um interrogatório na Polícia Judiciária - ainda no tempo de Salazar - que durou 12 horas, até às amizades com Aquilino Ribeiro e a família Almeida Garrett, contamos aqui algumas das memórias que preenchem a vida do alfarrabista mais antigo de Portugal.




 
A turma do Sr. Pires (o primeiro a contar da esquerda) quando regressou a Portugal da Guiné, onde nunca teve educação formal. A escola ficava na Calçada de Santana e a sua professora era açoreana (a segunda a contar da esquerda na fila da frente) - "Lá não consegui fazer nem a instrução primária, porque se havia escolas não havia professores e se haviam professores não havia escola.
 
créditos: Paulo Rascão | MadreMedia




Cartão de identidade de João Rodrigues Pires emitido pela Academia Portuguesa de Ex-Libris. créditos: Paulo Rascão | MadreMedia
A entrada


Quando se entra n’O Mundo Do Livro podemos sentir alguma confusão - apesar do nome da loja, esta é maioritariamente ocupada por gravuras.

 As pistas que justificam o nome surgem depois da impressão inicial: no piso térreo, a vitrina da caixa registadora guarda relíquias dedicadas ao dono da loja, a montra exterior dá destaque rotativo a obras literárias raras e no canto esquerdo deste piso há um pequeno mostruário quase em jeito de museu, expondo as edições fac-similadas de obras raras como “As Sátiras” de Sá Miranda ou a primeira edição das “Comédias Portuguesas” de Simão Machado que o livreiro produziu.

A escritora Carolina Michaelis de Vasconcelos considerava que “As Sátiras” estavam perdidas, lembra o alfarrabista. “Um dia, um exemplar entra-me aqui pela porta a dentro”. Na altura não conhecia a obra, mas seguiu o instinto e comprou-a por quinze contos.

 A jogada de sorte acabou por compensar pois o livreiro veio a ganhar muito mais, produzindo cerca de 400 exemplares desta obra considerada desaparecida. “Depois ofereci cinquenta ao Instituto Alto da Cultura para distribuir pelas bibliotecas do país.” Quanto ao livro do poeta Simão Machado, o único exemplar conhecido estava na Biblioteca do Vaticano, até aparecer um segundo n’O Mundo do Livro.

 O Sr. Pires estava a fazer uma edição para um professor francês, com base no exemplar do Vaticano que estava em muito mau estado, quando um livreiro inglês seu conhecido, durante uma passagem por Lisboa, lhe mencionou que teria um volume em Oxford. Regressou a Inglaterra e, volvidos dois dias, telefona a João Pires com boas notícias: era precisamente o exemplar que queriam e estava em melhores condições do que o do Vaticano.

 “Eu nunca encontrei referência a este livro!”, lembra o livreiro, que na altura pediu então para lhe ser enviada a peça, sem perguntar pelo preço: “Chega cá o livro e são 70 contos… Agora a quem é que vou vender isto?”, lembra o Sr. Pires. Em conversa com um colega de profissão, relata o acontecido e qual o seu plano: “Veja lá, comprei isto em Inglaterra por 70 contos e já tinha feito a edição. Vou vender à Biblioteca Nacional por 90 contos.” Antes disso, decidiu sondar o colega: “‘Queres-mo comprar? Poupas-me o trabalho de lá ir...’ Vendi-lhe a ele por 90 contos e ele foi lá vendê-lo por 150”, conta.


Paulo Rascão | MadreMediaPaulo Rascão | MadreMedia
Paulo Rascão | MadreMedia
Paulo Rascão | MadreMediaPaulo Rascão | MadreMedia
Na tacanha entrada d’O Mundo do Livro, para além das gravuras e das acarinhadas edições que o alfarrabista reproduziu, os olhos do cliente acabado de entrar inevitavelmente poisam em dois diplomas pendurados na parede, reconhecimentos que celebram uma vida preenchida.

 Um diploma relativamente recente confere ao Mundo Do Livro o “Prémio Europa de la empresa ejemplar”. Acima deste, a moldura mais chamativa protege um diploma outorgado pela Presidência da República italiana. Assinado pelo presidente Giuseppe Saragat, em 1965, confere a João Rodrigues Pires o Grau de Cavaleiro da Ordem de Mérito.

 Tamanha condecoração deveu-se a um evento único em Portugal, uma celebração dos 700 anos do nascimento do escritor italiano Dante Alighieri organizado pelo nosso livreiro. “Quando foi o centenário de Dante disse para o Pina Martins, que era professor da faculdade, ‘e se nós fizermos aqui uma comemoração do centenário de Dante?’”.

 Continua João Pires: “Convidámos professores e uma quantidade de gente, enchi aqui a casa e fizemos essa comemoração. Fiz uma edição do Dante, com introdução de Pina Martins e até foi ele próprio que arranjou o original, que é raríssimo.”



 
Diploma da Presidência da República italiana que confere o título de “Cavalieri” a João 
 
Pires. créditos: Paulo Rascão | MadreMedia
 
 
A edição d’O Mundo do Livro comemorativa do centenário de Dante. créditos: Paulo Rascão | MadreMedia


Desde que João Pires iniciou o seu negócio por conta própria, no pequeno vão-de-escada na Rua Nova da Trindade, que a loja se chama O Mundo do Livro, mas nem sempre o exterior da livraria correspondeu à sua alma, tal como observou em tempos um cliente assíduo da família Almeida Garrett, José Maria de Almeida Garrett: “Eu não o conhecia. Sabia apenas que era comprador de livros e comecei-lhe a mandar os catálogos”, explica o livreiro. “Um dia aparece-me lá um velhote com um cão com pêlo de arame a dizer, 'esta está boa, aqui num buraco o mundo do livro’”, ao que o Sr. Pires riposta, "mas diga-me com quem tenho o prazer de estar a falar”. “Está a falar com o seu amigo e cliente José Maria de Almeida Garrett!”, veio de volta a resposta.
O andar do meio

Se hoje João Rodrigues Pires é oficialmente o mais antigo livreiro de Portugal, em 1951 era o mais novo, ou pelo menos assim o apelidava o amigo e escritor Aquilino Ribeiro.

. Conheceram-se em Santo Amaro de Oeiras, onde o autor vivia com a primeira mulher, alemã, e o filho Aníbal, que mais tarde se tornou juiz e foi um dos amigos de infância do Sr. Pires (“jogávamos ao berlinde os dois”), conta-nos este enquanto sobe as escadas da sua livraria.
Pertencem a este autor duas das maiores preciosidades d’O Mundo do Livro e as histórias que o incluem são contadas por João Pires com carinho: “O Aquilino era um amigo, era um amigo…”, suspira enquanto folheia o manuscrito inédito do livro infantil “O livro do menino Deus” rescrito propositadamente para a livraria em 1956, para uma nova edição do conto chamado “Sonho de Uma Noite de Natal” e que conta com mais páginas e algumas emendas.

Lê-se na carta que acompanha o livro rabiscado: “Meu caro Pires, aí lhe remeto o conto refundido e ampliado. Agora só desejo que faça uma plaqueta bonita como fez para o Gil e para o Garrett, mas leia primeiro. PS: Desculpe ter-lhe inutilizado o livro ‘Menino de Deus’, no entanto aí lho mando vandalizado.”


Uns anos antes, em 1951, foi o amigo Aquilino Ribeiro quem escreveu o prefácio do primeiro Catálogo de Livros Selecionados do ainda jovem Mundo do Livro, essencial numa altura em que não existia Internet para difundir a oferta das livrarias: “João Pires, porventura o livreiro antiquário mais novo de Portugal e por certo dos mais audazes e entendidos, apresenta à venda um escrínio precioso de bons autores, célebres autores, em edições raras, edições de tiragem limitada, nos melhores papéis, Watman, Japão, linho da Abelheira, exemplares únicos por vezes, encadernados sumptuosa e principescamente.

” O autor continua: “Debrucem-se um momento, folheando-o, para o catálogo que ora lhes oferece ‘O Mundo do Livro’, tão discreto como arrojado nas suas empresas de antiquária”. E, depois de elogiar o trabalho de encadernação do livreiro (“magnificamente encadernadas e o seu estado é impecável.

 Nem um traço, a menor nódoa, a pinta duma mosca.”), enumera a variedade de autores em oferta na livraria, como Carolina Michaelis de Vasconcelos, Garrett, Camões, Teófilo Braga, Beckford ou Bradford. Quase em jeito de presságio, Aquilino Ribeiro termina da seguinte forma: “Nada mais que do ementário desta admirável coleção se pode inferir com segurança que o livro é artigo de primeiro interesse, que o livro corre pelas estradas mesteirais do mundo em maior quantidade do que nunca e com acentuada procura.

Se houvesse crise neste ramo de atividade, é porque tinha batido uma hora sombria para a civilização.” E foi precisamente a este declínio que João Pires assistiu.

 “Tenho saudades desses tempos…. As pessoas já não compram, o cérebro deixa de funcionar. Já fecharam pelo menos vinte e tal livrarias em Lisboa e as tipografias também têm fechado; a Cromotipo, que trabalhava para mim, por falta de trabalho também fechou há dois anos.

” Das janelas do segundo andar veem-se turistas a tirar fotografias à baixa lisboeta e a passearem-se com sacos de compras, mas poucos são os que entram nesta livraria que já faz parte da história da capital.



 
 
A primeira edição do Catálogo de Livros Seleccionados dO Mundo do Livro.
  créditos: Paulo Rascão | MadreMedia




 
 
O prefácio de Aquilino Ribeiro na primeira edição do Catálogo de Livros Seleccionados dO Mundo do Livro, impresso em 1951.  
créditos: Paulo Rascão | MadreMedia


O último andar

As histórias contadas pelo Sr. Pires vão-se acumulando pelos andares da sua loja, mas é quando se chega ao terceiro piso que o mundo do livro realmente se revela.


 Ao cimo das escadas os nossos olhos inevitavelmente recaem sobre o enorme mural pintado por António Domingues em 1962. O Sr. Pires lembra que a maquete inicial da obra não tinha livros retratados - foram posteriormente acrescentados para evitar que a PIDE censurasse a pintura e ilustram o poema de Castro Alves: “Oh! Bendito o que semeia/ Livros... livros à mão cheia…/ E manda o povo pensar!/ O livro cahindo n’alma/ É germen - que faz a palma. /É chuva - que faz o mar.”

Este terceiro andar iluminado pelo sol lisboeta tem uma aparelhagem sempre sintonizada numa das estações de rádio da moda. Hip-hop americano ou funk brasileiro ecoam numa divisão forrada a gravuras e livros de outro século, um século em que a música que passava na rádio era certamente outra, e é neste piso solarengo doutro tempo que João Pires tem também a sua coleção privada, onde se pode ler num autocolante colado nas estantes cheias de memórias, “not for sale” [não está para venda].


 Dossiers repletos de recortes de jornais de época dão conta de vendas avultadas de livros raros, várias fotografias ilustram quase 80 anos de profissão e correspondência com grandes livreiros e comerciantes relatam a pujança de que outrora os alfarrabistas usufruíam. H. P. Kraus, que o Sr. Pires descreve como “um dos maiores livreiros de Nova Iorque”, despede-se numa carta de 1952 de maneira pouco modesta (“The name of my firm is so well known that I do not think it is necessary to give you references”, isto é, “O nome da minha empresa é tão conhecido que penso não ser necessário apresentar-lhe referências”), mas não sem antes elogiar O Mundo do Livro:
 “I would like to congratulate you at this occasion on your large catalogue. It is the first nice catalogue I have received from Portugal, and I do hope, we can establish agreeable business relations.” [“Gostaria de o felicitar pelo seu vasto catálogo. É o primeiro bom catálogo que recebi de Portugal e espero que consigamos estabelecer agradáveis relações de negócios.”]




O cantinho das recordações no terceiro piso d’O Mundo do Livro, que ainda hoje assim se mantém. créditos
: Paulo Rascão | MadreMedia
 

As histórias do livreiro situam-se quase todas no século passado, durante o tempo áureo do livro, quando figuras influentes da cultura portuguesa se passeavam pela baixa lisboeta: “Aqueles clientes fantásticos que havia, os Almeida Garretts, os Condes da Trindade, isso já não há. 

Eu mandava catálogos para todo o mundo e vinham professores de todo o mundo”. No Chiado de antigamente “havia poetas que andavam a passear, artistas de teatro, na Bertrand reunia-se muita gente, na Sá da Costa a mesma coisa e aqui também.”

 As tertúlias e os encontros de professores eram ocorrências regulares e o Sr. Pires lembra-se de um episódio em particular: “Uns professores estrangeiros estavam aqui e às sete horas vinha eu dizer que a porta estava fechada e que tínhamos de ir embora, mas a conversa era tão interessante que eu acabei também por entrar. 

Depois dessa conversa toda olhei para o relógio. ‘Epá, uma hora da noite? Tenho o relógio avariado’. Eles foram ver e era uma hora da noite, nem jantámos nem nada. Pus tudo na rua!”
Os clientes desse tempo eram figuras como Charles Boxer, historiador e professor inglês conhecido pelos seus estudos da história colonial e marítima portuguesa ("O professor Boxer saía do avião e vinha para aqui.

 Começava ali e tuca, tuca, tuca. Quando via um livro, metia em cima da mesa e depois dizia, ‘Ó Pires, manda uma lista para o King’s College para eles comprarem isto’”, lembra o livreiro); o Comandante Ernesto Vilhena, da Companhia de Diamantes de Angola (“O Comandante Vilhena era o meu melhor cliente. Vinha aqui todos os sábados, sentava-se e dormia ali uma soneca depois do almoço. Depois quando acordava dizia, "o que é que há aí para mim?”); e outros tantos, muitos deles anónimos para João Pires, mas que vinham de propósito à sua “casa” em busca do bom gosto do proprietário. 

“Um dia aparece aqui um inglês já velhote, um panamá na cabeça, umas alpercatas de corda e a camisa passajada - usavam-se uns colarinhos de plástico que às vezes rompiam as camisas”, começa assim mais uma deliciosa história do livreiro. 

O estrangeiro vinha à procura de iluminuras; sentou-se e foi escolhendo o que queria das pilhas de sugestões apresentadas pelo Sr. Pires. “Ele põe de parte e põe de parte e compra-me aquilo tudo, 900 e tal contos.” Em espanhol, o cliente pergunta se poderia passar um cheque sob a Suíça e se depois a compra pode ser entregue no Hotel Estoril Sol. “Eu pus-me assim a pensar: ‘Se o homem manda receber primeiro o cheque e depois manda entregar, é porque o cheque tem cobertura’”, explica o Sr. Pires. “Eu volto para dentro e digo, ‘o senhor comprou, pagou, agora pode levar’”. O inglês responde, surpreendido, que o livreiro não o conhecia, ao que este riposta: “Pois é, mas é um cliente, comprou, pagou, leve.” O Sr. Pires tanto insistiu que o cliente lá levou os seus livros.


 Compra finalizada, interação terminada, João Pires corre até ao banco para verificar se o cheque tinha efetivamente cobertura. “Epá, vendeste a livraria toda?”, questionou na altura o administrador do banco.

 “Olha, podes vender Lisboa inteira, porque é um dos homens mais ricos de Inglaterra, John Galvin”, veio mais tarde a explicação.

 O inglês tornou-se então num cliente querido da casa e “depois ofereceu-me vários livros”, relata João Pires. “Era editor, tinha uma companhia de navios, companhia de aviação, tinha tipografias, tinha sei lá o quê - era considerado o homem mais rico de Inglaterra e parecia um pedinte!”



 
 
Dedicatória do Comandante Ernesto de Vilhena, da Companhia de Diamantes de Angola, um dos melhores clientes do livreiro: “a João Pires, pelo esforço desenvolvido por dignificar a livraria portuguesa.”
 
  créditos: Paulo Rascão | MadreMedia




 
Dedicatória de John Galvin em 1966.
  créditos: Paulo Rascão | MadreMedia


Uma das histórias mais caricatas da longa vida do Sr. Pires, também ela retratada no cantinho das memórias preservadas em micas, acaba com um interrogatório na PJ, ainda antes do 25 de Abril, graças a um livro vendido por 400 contos a uma senhora que forneceu uma morada falsa. Tratava-se do "Tratado de Confissom”, o primeiro livro impresso em Portugal, encontrado em Chaves e datado de 1489.
Falamos do mais antigo incunábulo português. “Fui eu que o vendi ao banqueiro Miguel Quina”, conta, divertido, João Pires. “Um livro impresso em Chaves onde nunca se sonhou que houvesse uma tipografia!” Os incunábulos, obras impressas até ao ano de 1500, eram apenas alguns dos livros raros que passavam pelas mãos do Sr. Pires e que os clientes da altura queriam e podiam comprar.


 O banqueiro Miguel Quina, administrador do Banco Borges & Irmão, comprou o “Tratado” por 400 contos, mas, com receio da imagem que tal transação avultada pudesse transmitir, pediu sigilo: “Ó Pires, eu não quero que se saiba que dei 400 contos por um livro. Eu mando cá alguém buscar o livro".
No dia da transação apareceu uma empregada do Banco Borges & Irmão, que “agarrou em 400 notas de contos e levou o livro”. João Pires passou-lhe um recibo, com o nome e morada que ela lhe facultou. 

“Resultado: apareceram algumas notícias nos jornais e às duas por três vem cá o diretor da Biblioteca Nacional, o Estevens, mais a Carlota, a bibliotecária”, conta o Sr. Pires. “Queriam ver um livro que eu tinha comprado, um incunábulo.” A resposta da parte do livreiro não se fez demorar: “Eu fui apenas intermediário.

 A senhora viu as coisas nos jornais, telefonou-me, veio cá, comprou, pagou e foi embora.” João Pires deu-lhes o nome da senhora, eles foram lá e, como vieram a descobrir, “nem a senhora nem a morada existiam.”
Mais tarde nesse dia, quando o alfarrabista chegou a casa, tinha um carro da Polícia Judiciária à porta. “Disseram-me que a senhora não existia e eu respondi que não acreditava em almas do outro mundo”. Estava iniciada a investigação - “Fui para a Polícia Judiciária no carro deles, fui entrevistado por uma quantidade de coisas e depois mandaram-me embora

.” Dois dias depois, o cenário repetiu-se: “Eu fui interrogado nessa altura por todas as brigadas, uns simpáticos, outros muito malcriados, e eu era sempre o mesmo discurso”, conta o Sr. Pires. “Esteve lá o diretor da Judiciária, que quando me interrogou abanou-me e eu disse-lhe 'não me abane assim, porque quem compra um livro por 400 contos é capaz de o demitir a si e a mim meter-me na cadeia…veja lá o que você faz'”.
João Pires lembra-se que começou a ser interrogado às 3 da tarde e apenas foi libertado às 3 da madrugada, “sem jantar nem nada”. Enquanto isto, uma irmã do livreiro foi a casa do Miguel Quina e disse para este ir à Polícia Judiciária.

 O banqueiro levantou-se às 3 da manhã e lá foi explicar que tinha sido ele a comprar o livro, através de uma das suas empregadas. “Depois já me tratavam por Vossa Excelência na PJ… então há bocado eu era inimigo público número 1 e agora já sou excelência?”, remata João Pires. "Aquilo foi um caso sério.
 Os jornais diziam: ‘senhora misteriosa adquiriu por 400 contos o primeiro livro impresso em Portugal. A compradora nem regateou e deu nome e morada falsa’”. E depois de tanta comoção, onde foi então parar o mais antigo livro impresso em Portugal? “Uns anos mais tarde o Miguel Quina parece que o vendeu à Biblioteca Nacional.”



 
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O futuro d’O Mundo do Livro

Livreiro que anda atrás de tantos livros acaba por acumular histórias, fruto de uma vida passada numa loja de portas abertas para o mundo.

 Alia-se a isto uma curiosidade inata e um “faro” adquirido pela experiência e o resultado são bons negócios e clientes fiéis. “Um dia entra-me aqui uma senhora, ainda lá no vão de escada, para me vender um livro”, começa por relembrar João Pires. “Era uma coisa enorme, eu abro aquilo e até tinha uma fechadura; eu nunca tinha visto tal coisa numa encadernação.”

 Tratava-se de uma reprodução da Magna Carta toda feita à mão em iluminura, “a lei que rege ainda hoje os ingleses”. O Sr. Pires fez alguma pesquisa sobre aquele achado e descobriu que um artista havia feito 4 exemplares: "um que está no Louvre, outro que está no Hermitage na Rússia, outro está no British Museum e aquele era o mais bonito de todos.”
Com uma relíquia daquelas a entrar-lhe na loja, faltava agora encontrar um cliente disposto a pagar os 70 contos que a senhora pedia e cuja quantia o nosso livreiro não tinha. Mas João Pires sabia perfeitamente a quem ligar e a chamada para Castelo Branco não se fez esperar.

 Do outro lado da linha, o cliente habitual José Maria de Almeida Garrett respondeu: "Ó Pires, mas eu vou agora para a Granja passar uns dias para o Norte.” João Rodrigues Pires ofereceu-se para lá ir ter e no dia seguinte estava a mostrar o achado ao potencial comprador.

 Muito prontamente, José Maria de Almeida Garrett conclui o negócio - passou um cheque de 100 contos ao alfarrabista e disse: “Ó Pires, 30 contos é para o comboio”. Eram, como diz o Sr. Pires, outros tempos: “Eram clientes assim, já não há disso, acabou.”
Escassos são os clientes de antigamente, mas também são cada vez mais raros livreiros como o Sr. Pires.
 Não se sabe o que poderá acontecer ao Mundo do Livro, porque embora haja pessoas imortais, o Sr. Pires, não será eterno. Por enquanto, continua à frente da livraria que fundou, sempre de portas abertas para todos aqueles que queiram seguir a sua curiosidade.



Paulo Rascão | MadreMedia