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24.3.19

LISBOA . QUANDO OS ALFACINHAS IAM ÀS HORTAS

   O hábito de ir " às hortas " representou uma forma típica de convivialidade dos lisboetas.

 Pelas memórias que ficaram desses passeios às hortas - ou aos retiros, citadinos -, dos seus frequentadores e dos petiscos ali consumidos, tudo indica se tratar de um hábito bem vincado nos anos de Oitocentos, até esmorecer nas primeiras  décadas da centúria seguinte.

 Contudo, é possível remontar mais longe nesta memória de práticas de lazer. No século XVI, contavam-se por já " antigas " as festas que os pescadores de Alfama dedicavam a S. Pedro Gonçalves, dirigindo-se com a sua imagem às hortas de Enxobregas, e " de lá traziam enramado de coentros frescos (... ) dançando e bailando. * (1 )

SALOIOS. ARREDORES DE LISBOA  ( Autor J.P.L. )

   A procura dum Domingo bem passado, quando o bom tempo o permitia, sob a sombra fresca dum caramanchão, gozando do cenário hortícola propriamente dito, com a nora de água fresca por perto e ramadas de videira, em que se improvisava o estabelecimento de comes e bebes, lugar de lazer eleito para quem se deixava atrair pela fama de um bom petisco, dum canjirão de vinho do termo, em companhia de amigos, frequentemente também embalado pela música de improviso e do cantar fadisteiro de animadores da pândega. (...) * (2 )

... Vizinhanças bucólicas da cidade. ( Autor J.P.L. )

   O gosto pelo passeio até às vizinhanças bucólicas da cidade tocava todas as classes, à maneira e de acordo com as respectivas posses. (... ) As " hortas " eram particularmente concorridas pelo povo.

Tratava-se de um verdadeiro passeio, frequentemente a pé, até esses locais das redondezas.

...que dava primorosas laranjas. ( Foto de J.P.L. )

   Bulhão Pato documenta-nos o ambiente físico e social da horta e quinta da Rabicha, situada sob o arco grande do Aqueduto das Águas Livres, por volta de 1848. "

 toda colmatada de um odorífero e viçoso pomar, que dava primorosas laranjas, água abundante e corrente (...) o sumptuoso " hotel, ao ar livre, debaixo de um parreiral, ao pé do tanque, sempre transbordando de água, fornecia as pescadinhas de rabo na boca, ovos duros, queijo saloio, pão de Belas, alface repolhuda. "

  Noutro passo, o poeta, autor destas memórias, especificava, quanto aos custos: " um cruzado novo - 480 réis - sobrava para quatro homens comerem e beberem à farta. ( ... ) Vinho, fora de portas - e as portas eram logo ali em Alcântara - trinta réis a canada; pão a vinte e cinco; uma pescada do alto, de lombo negro, que chegava para uma família regular, seis vinténs. * ( 3 ).

* (4 ) -_Só a título comparativo pontual, e de acordo com várias fontes, o salário diário médio de um operário, nesta altura rondava 280rs., o dum aprendiz podia reduzir-se a metade desse valor; um " empregado ", por sua vez, poderia auferir 1000rs.





* 1- Luís Chaves, " O  Culto Popular de São Padro Gonçalves Telmo, o Santelmo " , Lisboa nas Auras do Povo e da História - Ensaios de Etnografia, vol,  III , Lisboa. Publicações Culturais da Câmara Municipal de Lisboa, 1966, p. 103.

* 2 - Irisalva Moita, O Povo de Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 1979

* ( 3 ) Raimundo António de Bulhão Pato, " A Quinta da Rabicha  - João de Amboim ", Memórias, vol I, pp. 67 - 68.

* ( 4 ) Manuel Paquete " Cozinha Saloia "

Quadros e foto de minha autoria.