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14.11.22

O PARAÍSO NA BEIRA INTERIOR

 

Paulo Catry, biólogo, delicia-se com estes dias solarengos de outono e com a passagem de grandes bandos de pombos-torcazes, ali pela Beira raiana. “Chegam da Europa distante, da Alemanha, da Escandinávia, da Finlândia, vêm à procura das bolotas de sobreiros e de azinheiras no Sul.”

Beira Interior, Novembro 2022 

Sabe bem andar ao sol no campo verde. Há cestos com romãs e marmelos e há quem apanhe azeitona. Diospiros dependurados nos ramos finos. Pilriteiros carregados de bagas vermelhas. Tudo brilha, mas os dias deste verão são demasiado curtos… resta anotá-los, para que não escorram só entre os dedos logo ficando esquecidos. 

Montámos redes de captura de pequenos pássaros (para anilhagem) no quintal, com resultados mais magros do que habitualmente. Este ano há pouca azeitona, será por isso? Ou será pela seca que por aqui foi avassaladora? Só há coisa de duas semanas choveu mesmo a valer pela primeira vez. Um alívio de erva tenra e de musgo intumescido. Despontam cogumelos discretos. Ainda não há flores. 

Logo ao nascer do dia apanhámos dois tordos de plumagem sedosa ao tato, segurá-los por momentos é um prazer físico; libertá-los e vê-los voar é graça divina. E pensar que há quem ande por aí atrás deles aos tiros. 

Tordo-comum Turdus philomelos. “Segurá-los por momentos é um prazer físico; libertá-los e vê-los voar é graça divina.”

Durante a manhã o céu esteve encoberto, sem pinga de vento, cinzentos de todos os tons, névoa nos vales a trepar pelos declives, nuvens finas como fumo branco esfarrapado sobre um fundo de estratos escuros. Um breve chuvisco, quase impercetível.

A meio do dia surge o sol radiante. As nuvens brancas são agora sólidas, espalham sombras enormes na paisagem. Espaço amplo com molduras de montanhas distantes, aldeias esparsas, vistas desimpedidas, adoro a expressão em inglês para isto: “big skyes”. 

O dia aquece um pouco. Soa o canto dos chapins-reais, típico do tempo solarengo mas pouco quente. Chamamentos curtos de estorninhos, toutinegras, tentilhões, o conforto das aves habituais. Começa a dança outonal dos almirantes-vermelhos, borboletas de nome feio e de cores de encantar. 

Pelo verão de São Martinho, por todo o país dão especialmente nas vistas os almirantes-vermelhos Vanessa atalanta de asas estendidas ao sol. Foto: Kristian Peters/Wiki Commons

Depois do almoço sentamo-nos no alpendre a adiantar trabalho, mas logo vem um som de vento no ar parado, levanto-me de um salto, a tempo de ver um bando de duzentos pombos-torcazes voando bem altos, direitos a su-sudoeste, como sempre fazem nesta época do ano. Depois outro, e mais ainda, os bandos têm frente ampla, mais largos do que compridos. Voam rápidos no ar parado, a uns 60 km/h segundo medições feitas noutras paragens. Todos seguem a mesma rota, como se guiados pelas memórias das viagens de anos passados, dos antepassados.

É fácil observar aves migradoras, grande parte das espécies que frequentam o nosso país migram. Mas não é tão frequente assim ver aves a voar e ter a certeza clara de que vão em viagem (e não simplesmente num movimento das lides diárias, entre locais de repouso e de alimentação). Gosto especialmente de ver a passagem dos pombo-torcazes por isso. Chegam da Europa distante, da Alemanha, da Escandinávia, da Finlândia, vêm à procura das bolotas de sobreiros e de azinheiras no Sul. 

Todos estes pombos passam pelos Pirenéus ocidentais, afunilando-se nos colos das montanhas, e depois dirigem-se para a Extremadura espanhola e para o Alentejo*. Nas áreas de invernada comem nos montados e em campos agrícolas, num raio de dezenas de quilómetros em volta dos dormitórios onde se juntam para passar a noite. Nalguns dos locais de descanso chegam a agrupar-se às dezenas de milhares. No sudoeste peninsular passam o inverno dois ou três milhões destes bichos.**

Por esta época chegam a Portugal centenas de milhares de pombos-torcazes Columba palumbus, provenientes do norte da Europa. Foto: Aleksey Levashkin/Biodiversity4All

Aqui na Beira raiana, junto ao Erges, os bandos de torcazes não são uma certeza. Quando as condições meteorológicas de alguma forma empurram o fluxo mais para poente, veem-se milhares a passar por dia, congregados em grandes bandos, normalmente com cem a trezentos (às vezes quinhentos) pombos cada um. Noutros dias, nas mesmas épocas, não passa nenhum.   

Chegou a estar quente por um momento e o céu encheu-se de grifos, mas o sol cai cedo e ainda antes de passar pelo horizonte já o calor se dissipa. O verão fica logo esquecido, os sons e o ar lembram outros invernos e anunciam este que aí vem. Uma braçada de giesta para o arranque da lareira. Nos olivais e nos montados é a hora dos piscos, tic-tic-tic-tic até à última luz do dia. 

Vermelho denso acima do horizonte negro mesmo antes de a noite fechar-se. Frio, mas ainda se aguenta. Nas ruas de granito cheira a fogo de azinho. Sento-me outra vez no alpendre a querer agarrar o dia. O bufo-real não se cala, ouve-se também um ladrar distante e a passagem ao luar de uma laverca fugidia. Céu amplo, Júpiter, Saturno e as constelações da época. Ar quieto, rotas migratórias desimpedidas.

Vista ampla de 40 quilómetros, “big skyes” na raia beirã, com a serra da Gata ao fundo. Foto Paulo Catry

* Tellería JL 2009. Bird Cons Int.

** Bea A et al. 2003. Ornis Hung.

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