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7.5.13

CONTO DO VIGÁRIO


O PRÓPRIO AUTOR ESCOLHEU COMO TÍTULO PARA ESTE CONTO; " UM GRANDE PORTUGUÊS. "
 É DE  REPARAR NO COMENTÁRIO FINAL DE FERNANDO PESSOA E A ESCOLHA DOS ADJECTIVOS QUE, PARA ELE, DESCREVEM MELHOR UM VIGARISTA.


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FERNANDO PESSOA

                     UM GRANDE PORTUGUÊS

"Vivia há já não poucos anos, algures, num concelho do Ribatejo, um pequeno lavrador, e negociante de gado, chamado Manuel Peres Vigário.

Da sua qualidade, como diriam os psicólogos práticos, falará o bastante a circunstância que dá princípio a esta narrativa.

 Chegou uma vez ao pé dele certo fabricante ilegal de notas falsas, e disse-lhe: «Sr. Vigário, tenho aqui umas notazinhas de cem mil réis que me falta passar. 
O senhor quer?
 Largo-lhas por vinte mil réis cada uma.»

 «Deixa ver», disse o Vigário; e depois, reparando logo que eram imperfeitíssimas, rejeitou-as: «Para que quero eu isso?», disse; «isso nem a cegos se passa.»

 O outro, porém, insistiu; Vigário cedeu um pouco regateando; por fim fez-se negócio de vinte notas, a dez mil réis cada uma.

Sucedeu que dali a dias tinha o Vigário que pagar a uns irmãos negociantes de gado como ele a diferença de uma conta, no valor certo de um conto de réis.
 No primeiro dia da feira, em a qual se deveria efectuar o pagamento, estavam os dois irmãos jantando numa taberna escura da localidade, quando surgiu pela porta, cambaleando de bêbado, o Manuel Peres Vigário.
  Sentou-se à mesa deles, e pediu vinho.
  Daí a um tempo, depois de vária conversa, pouco inteligível da sua parte, lembrou que tinha que pagar-lhes.

 E, puxando da carteira, perguntou se, se importavam de receber tudo em notas de cinquenta mil réis. 
Eles disseram que não, e, como a carteira nesse momento se entreabrisse, o mais vigilante dos dois chamou, com um olhar rápido, a atenção do irmão para as notas, que se via que eram de cem.

Houve então a troca de outro olhar.

O Manuel Peres, com lentidão, contou tremulamente vinte notas, que entregou.

 Um dos irmãos guardou-as logo, tendo-as visto contar, nem se perdeu em olhar mais para elas.

 O vigário continuou a conversa, e, várias vezes, pediu e bebeu mais vinho.

. Depois, por natural efeito da bebedeira progressiva, disse que queria ter um recibo.

 Não era uso, mas nenhum dos irmãos fez questão.

 Ditava ele o recibo, disse, pois queria as coisas todas certas.

 E ditou o recibo – um recibo de bêbedo, redundante e absurdo: de como em tal dia, a tais horas, na taberna de fulano, e «estando nós a jantar (e por ali fora com toda a prolixidade frouxa do bêbedo...), tinham eles recebido de Manuel Peres Vigário, do lugar de qualquer coisa, em pagamento de não sei quê, a quantia de um conto de réis em notas de cinquenta mil réis.

 O recibo foi datado, foi selado, foi assinado.

 O Vigário meteu-o na carteira, demorou-se mais um pouco, bebeu ainda mais vinho, e daí a um tempo foi-se embora.

Quando, no próprio dia ou no outro, houve ocasião de se trocar a primeira nota, o que ia a recebê-la devolveu-a logo, por escarradamente falsa, e o mesmo fez à segunda e à terceira... E os irmãos, olhando então verdadeiramente para as notas, viram que nem a cegos se poderiam passar.

Queixaram-se à polícia, e foi chamado o Manuel Peres, que, ouvindo atónito o caso, ergueu as mãos ao céu em graças da bebedeira providencial que o havia colhido no dia do pagamento.

 Sem isso, disse, talvez, embora inocente, estivesse perdido.

Se não fosse ela, explicou, nem pediria recibo, nem com certeza o pediria como aquele que tinha, e apresentou, assinado pelos dois irmãos, e que provava bem que tinha feito o pagamento em notas de cinquenta mil réis.

 «E se eu tivesse pago em notas de cem», rematou o Vigário «nem eu estava tão bêbedo que pagasse vinte, como estes senhores dizem que têm, nem muito menos eles, que são homens honrados, mas receberiam.»

 E, como era de justiça foi mandado em paz.

O caso, porém, não pôde ficar secreto; pouco a pouco se espalhou.

 E a história do «conto de réis do Manuel Vigário» passou, abreviada, para a imortalidade quotidiana, esquecida já da sua origem.

Os imperfeitíssimos imitadores, pessoais como políticos, do mestre ribatejano nunca chegaram, que eu saiba, a qualquer simulacro digno do estratagema exemplar.

 Por isso é com ternura que relembro o feito deste grande português, e me figuro, em devaneio, que, se há um céu para os hábeis, como constou que o havia para os bons, ali lhe não deve ter faltado o acolhimento dos próprios grandes mestres da Realidade – nem um leve brilho de olhos de Macchiavelli ou Guicciardini, nem um sorriso momentâneo de George Savile, Marquês de Halifax.


Contado por Fernando Pessoa.
(publicado pela primeira vez no diário Sol, Lisboa, ano I, nº 1, de 30/10/1926, com o título de «Um Grande Português». Foi publicado depois no Notícias Ilustrado, 2ª série, Lisboa, 18/08/1929, com o título de «A Origem do Conto do Vigário»



Conto do vigário

Conto do vigário é uma expressão usada em Portugal e no Brasil significando uma história elaborada com o objetivo de burlar alguém. São várias as versões da origem do termo conto do vigário, mas o que todas guardam em comum é que tem como tema principal um golpe de esperteza e um vigário.
 

LUNARIO PERPETUO ANO DE 1858 MÊS DE MAIO



MAIO NA REGIÃO DE CASCAIS . ANO DE 2013 ( Foto de J.P.L. )     

 
Na luz crescente de Maio he bom tempo para alimpar os açafrões, e crestar as colmeas, a ajuntar as cabras com os machos.

 He tempo disposto para plantar as pevides azedas, e se são novas pegão melhor que as velhas:

 Póde-se plantar todo o genero de hortaliça, e enxertar de escudo pessegueiros damasqueiros, amendoeiras, cidreiras, e laranjeiras.

 No minguante de Maio he admiravel tempo para cozer os ladrilhos, e telhas, e outras cousas, que se fazem de barro, porque feitas, e cozidas neste tempo ficão singulares. Agora convém lavrar os campos, que se hão de semear pelo Outono, se fôr terra fria, e se podem castrar os bezerros, porcos e cordeiros. Finalmente; qualquer danno, e mal nos braços he perigoso neste mez, e muito mais se se curarem com ferro.

Se neste mez se ouvirem os primeiros trovões, ( entende-se do anno ) significa abundancia de agoas, e falta de aves, porém quantidade de pão, e legumes no Reino em que se ouvirem.


LUNARIO. 1858


  1. Lunario Perpetuo

    Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

    Fac-simile do frontispício da edição de 1672


    Lunario Perpetuo foi um almanaque ilustrado com xilogravuras composto por Jerónimo Cortés e publicado em Valência em 1594, e reeditado inúmeras vezes ao longo de séculos, com variações em seu título e conteúdo.

     O título completo original era Lunario perpetuo el qual contiene los llenos y coniunciones perpetuas de la Luna, declarando si seran de tarde o de mañana. Con la prognosticacion natural, y general de los tiempos; y de los effectos e inclinaciones naturales que causan los Signos y Planetas en los que nacen debaxo de sus dominios. Finalmente contiene algunas electiones de medicina, navegacion y agricultura, sin otras cosas de consideracion y provecho; con un regimiento de sanidad a la postre.[1]

     
    Este almanaque surgiu numa época em que tais publicações eram populares, favorecidas pela recente invenção da imprensa de tipos móveis, que barateou enormemente o preço dos livros e os tornou acessíveis para a população de baixa renda. Para muitos camponeses os almanaques foram os únicos livros que leram em suas vidas, e onde aprenderam as primeiras letras.[2]

    Como seus congêneres, o Lunario Perpetuo oferecia conselhos e orientações sobre os mais variados aspectos da vida, incluindo tabelas das fases da lua, dos eclipses do sol e das festas móveis, previsões do tempo, horóscopos, elementos de direito, navegação, teologia, saúde, agricultura, maneiras de interpretar o comportamento dos animais, biografias de santos e papas, e outros dados de interesse geral.

     Gozou de amplo favor das elites bem como do povo, recebendo muitas reedições,[3][4][5]

    sendo um dos livros escritos em castelhano mais populares de todos os tempos.[6][7]

    Era particularmente útil para os agricultores, dando-lhes instruções para organizar sua rotina ao longo do ano e com isso fazer boas colheitas. Seu autor, ativo entre o fim do século XVI e o início do século XVII, ganhou reputação como excelente astrólogo e matemático, e como um investigador da natureza.

     O livro foi expurgado pela Inquisição em 1632, tendo como base a edição de Barcelona de 1625.

     Depois de revisto, circulou principalmente com o título de El Non Plus Ultra del Lunario y pronostico perpetuo, general y particular para cada Reyno y Provincia,[3][4] mas popularmente se tornou conhecido apenas como Lunario Perpetuo, Lunario ou mesmo Prognostico.[8]

     A primeira edição foi perdida, e os exemplares mais antigos a sobreviver são da edição de Madrid de 1598.[9]

     
    Foi publicado em português pela primeira vez em 1703, com tradução de Antônio da Silva de Brito.

     Logo se tornou muito popular no Brasil, tanto que, segundo Câmara Cascudo, que mantinha um exemplar na sua mesa de cabeceira, foi o livro mais lido no nordeste brasileiro durante dois séculos.[6][8] Disse o folclorista que "não existia autoridade maior para os olhos dos fazendeiros, e os prognósticos meteorológicos, mesmo sem maiores exames pela diferença dos hemisférios, eram acatados como sentenças". Capistrano de Abreu também era um admirador do livro, e embora não acreditasse em "feitiços", consultava suas previsões astrológicas. Ainda hoje ele exerce fascínio e se mantém como uma referência na cultura popular nordestina. O músico Antônio Nóbrega publicou um álbum inspirado no Lunario.[5] Também foi traduzido para o francês.[7]

    Referências


  2. Brotóns, Víctor Navarro. Bibliographia physico-mathematica hispanica (1475-1900). Universitat de València, 1999, p. 115

  3. Blázquez, José Luis Pascual. El Tempo Cíclico, 2002, p. 135

  4. Ramirez, Braulio Antón. Diccionario de Bibliografia Agronomica y de toda clase de escritos relacionados con la agricultura. Rivadeneyra, 1865, p. 217

  5. Bueno, Mar Rey. Libros malditos. EDAF, 2005, pp. 189-192

  6. Miranda, Ana. "O Lunário perpétuo". O Povo online, 20/05/2012

  7. O non plus ultra do lunario, e pronostico perpetuo, geral, e ... AbeBooks Inc., 1996 - 2012

  8. Blázquez, p. 143

  9. Priore, Mary del. Ritos da vida privada. In: Novais, Fernando (org). História da Vida Privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 299

  10. Palmart, Lamberto. Lunario y pronóstico perpetuo general y particular – 1887. Mis Libros Antiguos, 28/12/2008