Outubro 2017: Europa excecionalmente quente e fogos severos em Portugal
2017-11-07 (IPMA)
O
mês de Outubro de 2017 foi mais quente do que o habitual na maior parte
da Europa.
Recorrendo a medições de temperatura de superfície do solo
obtida por satélite (no inglês Land Surface Temperature – LST*)
verificou-se que a anomalia é particularmente pronunciada quando a LST é
máxima (durante o dia).
A Península Ibérica apresenta um padrão notável
de temperatura máxima, com várias regiões no Noroeste da península onde
a LST apresenta anomalias superiores a 7 ° C.
Durante a noite também se
registaram valores de LST anómalos, mas não tão elevados. As áreas com
valores de LST superiores aos valores médios encontram-se representadas a
vermelho.
A Fração de Cobertura Vegetal observada por satélite (no inglês
Fraction of Vegetation Cover, FVC) sobre Portugal evidencia o stress
térmico a que a vegetação tem estado sujeita, com valores inferiores aos
valores médios observados em outubro na região.
No entanto, é evidente
uma área de grandes dimensões com anomalias elevadas de FVC (< -0,2)
nos primeiros 10 dias de outubro que corresponde às áreas ardidas dos
meses anteriores enquanto nos últimos 10 dias a destruição da vegetação
devido aos incêndios de 15 de Outubro torna-se notória (ver áreas
ardidas no painel inferior direito).
Estes resultados apresentam
correspondência com os mapas de áreas ardidas fornecidos pelo Instituto
da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). As áreas com menos
vegetação que o habitual estão representadas a vermelho.
*A temperatura da superfície do solo é estimada a partir das
radiâncias na banda do infravermelho térmico, medidas pelo sensor SEVIRI
a bordo do Meteosat Second Generation a cada 15 min, em condições de
céu limpo.
Note-se que a LST não corresponde às habituais medições de
temperatura do ar feitas na estações meteorológicas, podendo existir
diferenças entre as duas temperaturas de vários °C. A Satellite
Application Facility on Land Surface Analysis, um consórcio liderado
pelo IPMA e que faz parte integrante do segmento terrestre da EUMETSAT
(European Organisation for Meteorological Satellites), disponibiliza aos
seus utilizadores estimativas da LST a cada 15 min desde 2004.
Imagens associadas
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- (Topo,
esquerda) Anomalia da temperatura às 00UTC.
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- Dados da LSA-SAF. (Baixo,
esquerda) Anomalia da temperatura às 12UTC.
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- Dados da LSA-SAF (Topo,
direita) Anomalia da Fração de Coberto Vegetal nos primeiros dez dias de
outubro e nos últimos dez dias de outubro.
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- Dados da LSA-SAF (Baixo,
direita) Áreas ardidas em outubro e no total do ano de 2017. Dados do
ICNF.
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O dia
15 de outubro foi considerado o “pior dia do ano” em termos de fogos
florestais, com a Proteção Civil a registar 443 ocorrências. As centenas
de fogos que deflagraram provocaram 45 mortos e cerca de 70 feridos,
dezenas dos quais graves. As chamas obrigaram a evacuar várias
localidades, a realojar populações e a cortar várias estradas. Mais de
800 habitações permanentes e quase 500 empresas ficaram destruídas. Na
região centro os incêndios consumiram extensas áreas florestais.
Alguns dos incêndios começaram a lavrar na noite de
sábado, 14 de outubro. Às 8h00 de domingo, a Proteção Civil dava conta
de que mais de 500 operacionais combatiam cinco incêndios considerados
“preocupantes”. Mais de 80 concelhos, de 15 distritos, apresentavam
risco máximo de incêndio.
As chamas consumiam o concelho de Seia, no distrito da Guarda, Lousã
(Coimbra), Vieira do Minho (Braga), Cinfães (Viseu), e Monção (Viana do
Castelo).
No entanto, durante a manhã a situação agravou-se e ao início da tarde
Monção ativou o plano municipal de proteção civil e em Melgaço as chamas
obrigaram à evacuação do lugar de Lobiô Roussas.
Na localidade de Merufe, Monção, pelas 15h00, as chamas que estavam a
ser combatidas mais de 180 operacionais tinham provocado quatro feridos
ligeiros e o lar de idosos de Barbeita estava em vias de ser evacuado. O
comandante dos bombeiros voluntários afirmava à RTP que o “vento forte”
dificultava o combate ao incêndio “que surgiu no incremento de cinco
ocorrências”.
Quando
a estrada para a Peninha foi reaberta, por volta das duas da tarde de
domingo, uma multidão de populares decidiu ir ver os estragos que o fogo
tinha feito.
A maioria chegou pela estrada da serra que liga os
Capuchos à Estrada Nacional 247, que esteve fechada todo o dia.
Vinham
famílias inteiras, muitas delas com cães.
E parecia mais um dia de domingo, não fosse a vista até ao Guincho ter-se enchido de carvão.
Vários
veículos de comando de bombeiros estavam também ali.
Naquele alto, o
lugar onde começou o maior incêndio da década no Parque Natural
Sintra-Cascais, na noite de sábado.
Vê-se afinal toda a extensão de
terreno queimado.
É uma torre de vigia sem o ser, e
ontem à tarde tornou-se um estranho lugar de convívio.
Pessoas iam ter com os comandantes dos bombeiros que ali estavam e agradeciam-lhes o serviço prestado.
Daí por uma hora, o Presidente da República diria o mesmo.
"É tranquilizador ver, para um fogo com aquela velocidade, com as
condições muito desfavoráveis, como a resposta superou todas as
expectativas.
E isso deve ser sublinhado e elogiado hoje",
disse
Marcelo Rebelo de Sousa, na feira de Almoçageme, acompanhado pela
segunda figura de Estado, o presidente da Assembleia da República.
Depois
de Pedrógão e dos incêndios de 15 de outubro em 2017, depois de
Monchique em agosto deste ano, esta é a primeira vez que um incêndio
convoca aplausos no meio da tragédia. O que é que a serra de Sintra tem
de diferente?
Em primeiro lugar a localização.
O Parque Natural de Sintra-Cascais é uma mancha verde, boa parte dele
classificado como Património da Humanidade, no meio da região mais
densamente povoada do país: a Área Metropolitana de Lisboa
. Se o fogo avançasse descontrolado, se engolisse casas e entrasse em povoações, o impacto tornar-se-ia catastrófico.
Horas
antes do nascer do sol, no domingo, a população da Charneca do Guincho
temeu que as chamas levassem a melhor sobre os bombeiros.
Não é que eles
fossem poucos -
estavam 700 operacionais no terreno. "Lutaram que nem uns bravos",
disse ao DN João Pedro Gonçalves, um homem que passado umas horas organizou uma recolha de comida e bebida para oferecer àquela gente toda.
Esta era uma das quatro aldeias que tiveram de ser evacuadas
na noite de sábado para domingo.
Tem 675 habitantes que vivem num
núcleo concentrado de casas - ao contrário do que acontece em muitas
aldeias do interior, onde sobram habitações isoladas. Quando a GNR veio
avisar o povo de que vinha lá fogo, a maior parte da população preferiu
ficar.
Sabia que as chamas dificilmente chegariam ao centro da aldeia.
Uma
das primeiras pessoas a dar pela notícia do fogo foi um miúdo de 17
anos chamado Gonçalo Gonçalves.
Ainda antes de o povo ouvir as sirenes
dos carros dos bombeiros, já ele tinha recebido
uma notificação de que a sua serra estava arder pelas redes sociais.
No campo, nem sempre há rede.
E é menos provável que um jornal, uma
rádio ou uma televisão dispare um alerta nacional assim que deflagra um
incêndio numa zona isolada.
A diferença determinante, no entanto, poderá estar
no que disse o presidente da Câmara Municipal de Sintra, Basílio Horta, às duas da manhã de domingo:
"Os bombeiros que estão no combate às chamas têm uma enorme experiência e conhecem profundamente o terreno."