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27.10.25

UMA VISITA AO GUINCHO VELHO

 

Uma visita ao Guincho Velho
É durante a mudança dos sapatos que levamos calçados por outros mais velhos, guardados no porta-bagagem, que se ouve, não muito longe, na direcção da Azóia, o som do cuco saído do meio das brumas matinais que escorregam das cumeadas dos montes para os vales apertados dos contrafortes da Serra de Sintra.
Estamos na segunda semana de Primavera e todo o chão que a vista alcança encontra-se florido, salpicando o granito róseo de uma mescla de cores duma espontaneidade madura de sexualidade. Pequenos pássaros, vestidos de tons verdes e castanhos esvoaçam no meio das hastes dos tojos queimados no último Verão por um incêndio que devorou toda a vegetação entre a antiga casa de campo do conde de Caria e a Peninha.
Principiámos a descer por um antigo caminho de macadame. É a antiga via que ligava as instalações da campanha de pescadores do Guincho Velho à estrada Cascais-Colares. O piso, muito mal tratado pelos anos de intempéries, encontra-se sulcado por milhares de pequenos leitos das chuvas dos Invernos passados, após o abandono da armação de pesca da Roca. Atalhamos a corta mato os meandros da estrada aproveitando uma abertura na vegetação serrada, causada por um riacho já seco.
Saem-nos aos pés um casal de perdizes que rapidamente, num voo baixo, transpõem o pequeno monte que separa o vale contíguo aquele que seguimos. Mais tarde, à frente dos nossos passos, um coelho de pêlo cinzento dá pequenos saltos, sem pressa, afastando-se do nosso caminho e escondendo-se no meio de uma moita.
O mar encontra-se cada vez mais próximo, voltamos ao antigo caminho, aqui talhado, em parte, na rocha. Desfrutamos então o azul do mar em contraste com as penedias róseas que se afundam nas suas águas. Já se vêm as ruínas das casas do antigo Porto Touro, hoje Guincho Velho. O nome actual provém ao que parece da existência no local de um guincho movido a motor para ajudar a subir as barcas das armações para a praia.
Numa curva da estrada, virada a sul, uma tela branca de plástico encontra-se espiada contra um nicho da encosta, permitindo um abrigo esporádico ao viajante apanhado por um aguaceiro primaveril.
No porto que já foi abrigo a fenícios, local de partida para correligionários de D. António, prior do Crato, e sede da campanha da Roca, existem unicamente três barracas de madeira para abrigar cinco pescadores sazonais. Intitulam-se companhas, pescam somente na Primavera e no Verão quando o mar permite, durante o Outono e Inverno vão para as suas terras, Nafarros e Lourinhã, dedicando-se então ao amanho das terras e à construção civil. Utilizam na pesca os aparelhos de anzol, para peixe e os covos para apanhar marisco e polvos.
A poucos metros do oceano uma muralha de alvenaria teima enfrentar o mar há dezenas de anos. Era a muralha de protecção do antigo porto, quando o mar se encontrava bravo. A praia é constituída por calhaus rolados de médias e grandes dimensões que dificultam o andar e provocam um som cavo e estaladiço, quando as ondas os fazem chocar entre si.
Em frente observa-se o mar, aqui de tons verdes, de onde emergem rochedos acutilantes, sendo o mais célebre o abrolho do Guincho.
Está na hora de regressar, a viagem é demorada, o caminho íngreme dificulta a progressão agora em ascensão. Paramos obrigatoriamente por cima da baía do porto. Dali avista-se uma imensidão de oceano, recortado pelas falésias da costa até ao Cabo Raso. Podemos considerar esta uma das soberbas vistas naturais que temos no território cascalense onde o homem não mexeu, não estragou e fazemos votos para que não o faça, como tem feito, noutros pontos do concelho.*
 
Texto. (Guilherme Cardoso) *