Em
janeiro de 2024 escreveu o livro 'O Rei Sem Abrigo - Don Juan Carlos I
de Espanha', no qual conta a história de vida do rei emérito, desde a
infância até aos dias de hoje, sem esquecer a conjuntura política que
acompanhou todo este período.
Da
ditadura franquista à monarquia constitucional, José de Bouza Serrano
fala sobre a infância de Juan Carlos no exílio, a trágica morte do irmão
mais novo, Don Alfonso, as amantes e as dívidas fiscais, entre outros
temas que marcam a vida do rei emérito.
‘Sem
abrigo’, é um título muito forte. Mas como é que se classifica uma
pessoa a quem não é permitido dormir no seu país, onde foi rei durante
40 anos?
Porque é que decidiu escrever este livro agora?
Este
ano assinalam-se dez anos da abdicação do rei Juan Carlos, mas nem foi
tanto por causa disso. Era uma coisa que eu queria ter feito há já algum
tempo, por ser uma pessoa que admiro muito. Um dia, quando puserem os
dois pesos na balança e virem bem o que ele fez pelo país, o seu fim de
reinado acabará por ser, não esquecido, mas, no mínimo, desvalorizado.
Não terá a importância que hoje em dia lhe damos.
Optou por um título forte - ‘O Rei Sem Abrigo - Don Juan Carlos I de Espanha’. Porquê esta escolha?
‘Sem
abrigo’, é um título muito forte. Mas como é que se classifica uma
pessoa que, por exemplo, vai à festa dos 60 anos da filha mais velha [a
infanta Elena, celebrados no passado dia 23 de dezembro] e não lhe é
permitido dormir no seu país, onde foi rei durante 40 anos?
Agora,
olhando para trás, é fácil perceber que foi um erro (...) E é também
difícil, quanto mais tempo passa e mais confiança se vai dando à pessoa,
acreditar que ela nos vai atraiçoar desta forma
O
rei teve várias amantes ao longo da vida, sendo a mais conhecida
Corinna Larsen, não só por ter sido um caso relativamente recente, como
também pelo facto de a empresária ter sido paralelamente um apoio para o
antigo soberano nos negócios. Considera que foi um erro Juan Carlos ter
‘misturado’ o lado sentimental com o profissional?
O facto de uma amante não ter sido só e
apenas isso foi um problema. O mais que poderia ter acontecido era essa
mulher ter sido revelada como amante do rei, mas ele teve várias e nunca
isso foi um problema.
O
problema está em tudo o resto. Ela criou duplo papel. No fundo, ele
admirava-a muito fisicamente. Por outro lado, ela era uma mulher muito
esperta, uma mulher de negócios, muito hábil e ele ficou seduzido por
tudo isso. Além disso, ela assume um papel de destaque numa altura em
que o rei tinha ficado sem o gestor dele e ela era ótima para o cargo,
muito organizada, sabia muito bem apresentar as coisas. E entrou numa
série de funções, incluindo junto dos ‘irmãos árabes’, como Juan Carlos
chamava a alguns líderes dos Emirados. Talvez tenha sido esse o erro,
ela acabou por saber demais.
Não considera essa atitude do rei um pouco ingénua?
Completamente.
Ele sempre acreditou na sua ‘boa estrela’ e achou que ela se tinha
apaixonado perdidamente por ele, com aquela idade… como se ele fosse
eternamente jovem! Considerou que ela nunca iria ‘pôr a boca no
trombone’ e contar o que sabia [sobre os negócios com a Arábia Saudita,
que valeram a Juan Carlos uma avultada dívida às Finanças e a saída de
Espanha]. Agora, olhando para trás, é fácil perceber que foi um erro,
mas na altura talvez não fosse assim tão óbvio. E é também difícil,
quanto mais tempo passa e mais confiança se vai dando à pessoa,
acreditar que ela nos vai atraiçoar desta forma.
Ele nasceu no exílio e, neste momento, ninguém diz que ele está nessa condição. Mas no fundo é um exílio
Diz-se que o rei a certa altura quis divorciar-se da rainha Sofía para se casar com esta amante…
Claro,
mas ela nunca, nunca se iria divorciar. E muito menos depois das
traições e de tudo o que aguentou ao longo de tantos anos. E ela, sendo
grega, goza de popularidade entre os espanhóis, que é coisa, por
exemplo, que com a Rainha Letizia, que é espanhola, já não acontece
tanto.
Porque é que Juan Carlos terá decidido abdicar do trono ainda antes de celebrar 40 anos de reinado?
O
rei nem abdicou logo, porque achava que o casamento dos então príncipes
de Astúrias – Felipe e Letizia - não estava ao nível de solidez e
popularidade do dele com a rainha Sofía. Por outro lado, o seu apego ao
poder também contou. Ele passou por muito, teve de ‘comer cobras e
lagartos’ para chegar ao trono, queria muito celebrar os 40 anos de
reinado e isso não lhe foi permitido.
Depois,
foram uma série de acontecimentos que precipitaram o fim, incluindo
aquela caçada no Botswana. Numa altura em que o país enfrentava
dificuldades - tal como Portugal – o rei ausentar-se para fazer uma
caçada sem avisar ninguém… Poderia ter passado despercebido, não fosse o
terrível acidente que sofreu [caiu e fraturou a anca], que o obrigou a
ser transportado para Madrid para ser operado.
Estou
convencido de que, apesar das divergências dos últimos anos, a vontade
do filho [Felipe VI] é que o pai regresse. Se nas próximas eleições
houver uma viragem à Direita – qualquer Direita -, acho que o rei
voltará
Desde agosto de 2020 que o rei reside fora de Espanha, nos Emirados Árabes Unidos...
Ele nasceu no exílio e, neste momento, ninguém diz que ele está nessa condição. Mas no fundo é um exílio.
O que é que teria de acontecer para Juan Carlos poder deixar Abu Dhabi e regressar a Madrid?
Basta
este governo sair, basta Pedro Sánchez sair. Estou convencido de que,
apesar das divergências dos últimos anos, a vontade do filho [Felipe VI]
é que o pai regresse. Se nas próximas eleições houver uma viragem à
Direita – qualquer Direita -, acho que o rei voltará.
Qual considera que foi o maior erro no percurso do rei ao longo das quase quatro décadas em que reinou?
Ter
acreditado demasiado na sua ‘boa estrela’ e na sua intuição. E depois,
ter tido uma grande necessidade de ser feliz. Ou seja, de ter uma série
de coisas de que se privou durante muito tempo, nomeadamente durante a
infância e adolescência, em que imperou a ditadura de Franco.
Ele
achou sempre que ia escapar dos problemas, até porque durante muito
tempo havia um certo pacto com a imprensa [de não atacar a imagem da
monarquia]. Mas os tempos mudaram. As traições são mal vistas, muito
pior do que antigamente e claro, compreende-se, é uma questão de moral.
E o maior acerto?
Sem
dúvida, levar a democracia para Espanha, após o regime franquista, algo
que parecia impensável. E, além disso, conseguir mantê-la.
Ele
teve tudo, chegou até mais longe do que sonharia ter chegado, conseguiu
uma popularidade extraordinária e mudou o radicalmente o país. Mas nada
disso lhe tira aquela mágoa que ele tem
Há
um capítulo no livro no qual refere que existem pessoas que acreditam
que são amigas dos reis, por se moverem nos mesmos círculos, mas que
isso não podia estar mais longe da verdade. Quer explicar?
Claramente
não são. Os amigos do rei são os seus parentes, aqueles que são iguais a
ele. Os restantes são pessoas que podem ser úteis num certo momento do
reinado, mas que depois... Os reis são educados para serem bem educados.
Portanto, são pessoas atenciosas, o que faz com que quem se relaciona
com eles, mas não pertença à sua família, acredite sempre que está mais
próximo do que realmente está. É apenas uma relação de conveniência.
Na obra diz que Juan Carlos não gosta de ser tratado por ‘rei emérito’. Porquê?
De
facto, não gosta. Porque dá uma ideia de fim, de um reinado que já
acabou, e isso não é uma ideia que lhe agrade. Mas tem de ser, até para o
distinguir do filho, que é quem agora reina.
Considera
que, atualmente, o povo espanhol é um pouco ingrato em relação a Juan
Carlos, desconsiderando a conjuntura política que o levou a ascender e a
manter-se no trono?
As
novas gerações talvez, porque nunca viveram no franquismo. Não sabem o
que se passou. Já nasceram em democracia e acham que foi sempre assim. O
grande problema hoje em dia, principalmente das novas gerações, é uma
certa falta de perspetiva histórica. Mas vejo acontecer o mesmo em
Portugal.
É possível que toda a gente faça pouco dela. Onde já se viu a neta do rei a fazer essas figuras?
Quando
era ainda adolescente Juan Carlos encontrava-se com o irmão, Alfonso,
quando uma desgraça aconteceu. Ambos tinham uma pistola, que disparou
acidentalmente e matou o mais novo dos filhos dos condes de Barcelona.
Diz-se – ainda que nunca tenha sido comprovado – que era Juan Carlos
quem segurava a arma…
Aquele episódio marcou-o para a vida
toda. Mas ele soube sempre esconder bem isso. No entanto, o rei tem um
olhar triste, um olhar melancólico. Ele teve tudo, chegou até mais longe
do que sonharia ter chegado, conseguiu uma popularidade extraordinária e
mudou o radicalmente o país. Mas nada disso lhe tira aquela mágoa que
ele tem.
Regressando
agora à atualidade, Victoria Federica – neta de Juan Carlos e filha da
infanta Elena – decidiu há cerca de dois anos ‘abraçar’ a vida de
influenciadora digital e vai até, em breve, entrar num reality show, 'El
Desafío'. Como é que vê isso?
Vejo
pessimamente. Não pode chegar a isso, de maneira nenhuma. As pessoas
têm de guardar o seu círculo. Não é que não se possam dar com toda a
gente, claro que podem, mas não foram criadas para isso [participar em
programas televisivos e ter uma vida demasiado exposta]. Lamento, mas
não se pode misturar desta forma. É possível que toda a gente faça pouco
dela. Onde já se viu a neta do rei a fazer essas figuras?
Juan Carlos diz que gostaria de ser lembrado por ter cumprido o seu dever e por ter sido honesto. E isto não será possível
Acredita que Juan Carlos, olhando para todo o seu percurso enquanto monarca, terá alguma grande mágoa?
Acho
que ele tem. Por estes últimos anos mais tristes. Juan Carlos diz que
gostaria de ser lembrado por ter cumprido o seu dever e por ter sido
honesto. E isto não será possível, não só pelos escândalos que
salpicaram os seus últimos anos de reinado e de vida, como também pelo
facto de ser preciso sempre um rei manter uma certa distância e alguma
discrição e segredo. Tudo isso faz com que seja difícil que venha a ser
recordado pela honestidade.
Qual o seu próximo projeto?
Para
já não tenho nada em mãos. Gostava muito de escrever um romance, mas
não sei se serei capaz! [risos] Seria uma obra com base nos meus 40 anos
no Ministério dos Negócios Estrangeiros.
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