UTILIZA ESTE LOCAL PARA RELATAR NOTÍCIAS OU EVENTOS ACTUAIS, E OUTRAS HISTÓRIAS DE INTERESSE HUMANO.
Este blogue é pessoal e sem fins lucrativos. Se sentir que eu estou a infringir os seus direitos de autor(a) agradeço que me contacte de imediato para eu corrigir o referido conteúdo: / This blogue is a non-profit and personal website. If you feel that your copyright has been infringed, please contact me immediately: pintorlopes@gmail.com
A Guerra é uma disputa entre dois ou mais grupos distintos de indivíduos
mais ou menos organizados. Paz é geralmente definida como um estado de
calma ou tranquilidade e pode referir-se à ausência de violência ou
guerra. Esta é provavelmente a maior prova de que os opostos se atraem.
Mas neste caso a culpa é do Homem, corrijo, da ganância do Homem. Se
fôssemos como o resto das espécies que co-habitam connosco teríamos
aquilo a que se chama paz, ainda que não fosse absoluta. Porque também
os animais entram em disputa para assegurar a sobrevivência dos seus. Desde
o princípio que o homem sentiu necessidade de obter mais do que aquilo
que precisa para sobreviver. O que obviamente tem os seus prós e os seus
contras. A constante sede de conquista leva ao inevitável choque entre
dois grupos. É claro que esse choque, esse conflito, poderia sempre ser
resolvido através do diálogo, mas para o Homem, corrijo, para a ganância
do Homem, é bem mais simples enveredar pela violência. A guerra é mais
fácil de fazer do que a paz. Isto sem falar que a guerra dá dinheiro (lá
está a ganância outra vez). E chegámos ao tal “querer mais do que
precisa”. Dinheiro. A razão pela qual se faz a guerra. E também pela
qual se procura a paz. E provavelmente também será a razão pela qual
nunca haverá a tal “paz quase absoluta”. A guerra só é necessária à
paz porque o Homem é racional e quer sempre mais, mais e mais. Quando
existe paz, procuramos a guerra e quando estamos em guerra procuramos a
paz. Só os mortos conhecem o fim da guerra. Acho que seja em que
situação fôr, numa sociedade ideal, a guerra nunca seria necessária à
paz. Mas como também acho que não é possível criar uma sociedade
perfeita, para resolver conflitos onde haja atentados à liberdade dos
indivíduos, prefiro dizer que a guerra é conveniente à paz. Mas só se
não houver dinheiro à mistura. Bolas, isso é impossível…
Mil anos de história contados pelo prisma do povoamento humano e animal das montanhas do centro do país.
Há
lendas muito antigas de homens e bicharada no Centro de Portugal.
Lendas dos tempos das Cruzadas, da Reconquista Cristã, do nascimento de
Portugal, de quando estás montanhas foram fronteira... Lendas com o rei
D. Diniz (Vide, Seia - Corço e Javali), com D. Sesnando, moçárabe
governador do Condado Conimbricense (fundação do Mosteiro de S. Jorge,
Coimbra. Veados), ou mesmo com D. Fernando Magno, primeiro rei de
Castela - sobre o Mosteiro de Lorvão e seus famosos Veados.
Mas
muito mais que lendas, abunda documentação a atestar que, pelos
primeiros séculos do passado milénio, abundariam Veados, Corços, Gamos,
Javalis e até Ursos, que encontramos mencionados em inúmeros forais,
como sejam os de Seia, Covilhã, Guarda, Alpedrinha ou Côja, nas
montanhas mais interiores, mas igualmente a oeste, em Santa Comba,
Almaça ou Coimbra. De Montemor ficou o topónimo "Corço".
A
fronteira avançou da linha da cordilheira central até ao mar Algarvio,
com reis conquistadores e povoadores e à medida que o país se
consolidava, estes animais foram rareando da faixa litoral e da metade
sul do país, passando mesmo a gozar de proteção régia (que chegou por D.
Afonso V aos Javalis da Serra da Estrela, cifrando-se o castigo em mil
reis).
Todavia,
nas montanhas a pressão humana cresceu devagar, e a bicharada
continuava a abundar, razão que obrigava por exemplo os vizinhos da
Lousã a que se revezavam para da Páscoa ao São João, correr o monte que
acoitava Veados e Feras. Ou que motivou as exceções de D. João I a
Pedrógão, Figueiró ou Sertã, que eram livres de caçar Veados e Javalis
que estragavam pão e vinho.
Por
essa altura estávamos já na epopeia de dar novos mundos ao mundo, e
também esses novos mundos nos deram novidades, onde se incluíram novas
técnicas e produtos agrícolas. O Milho, chegado no ínicio do séc XVI,
constituiu uma autêntica revolução no NW, onde no final desse mesmo
século, já era a cultura dominante. Cerca de metade dos povoados das
Serras do Açor e Lousã, nascem por este e pelos séculos seguintes,
levando os socalcos montanha acima.
Tempo
de lendas fundacionais, como em Sobral Valado (Pampilhosa da Serra),
com um monstro que seria provavelmente um Veado, ou no Piódão, tendo um
Urso como protagonista, com a veracidade a ser atestada na região pela
existência de Silhas e de variada Toponímia. Também a há relacionada com
Cervídeos, e mesmo que "Unhais", "Vidual" ou "Cerveira" sejam incertos,
"Vale da Corça" (Arganil) ou "Vale das Cervas" (Pampilhosa da Serra),
não deixam dúvidas, tal como no Fundão o Monte e Ermida de N. Sra.
Cervas...
Abundam
destes tempos as corografias, os dicionários geográficos e, no rescaldo
do Terramoto, as Memórias Paroquiais. Delas sabemos que Veados, Corços e
Javalis ainda ocupavam no século XVIII as Serras da Estrela, do Açor,
da Lousã e da Guardunha. Para esta última, o Padre Luís Cardoso ainda
cita o Urso.
Terão
sido os últimos, ficando apenas como memória as Lutas de Feras (como no
Jubileu de Avô de 1635, com Lobos, Javalis e um Urso) e as grandes
caçadas (como a de 1740 do Senhor de Linhares, irmão de D João V, que
além dos muitos Lobos que matou, abateu 80 Veados, outros tantos Corços,
e 51 Javalis)...
O
séc. XIX foi palco de muita agitação e transformação: foram as invasões
francesas e a guerra civil, assim como a perda do Brasil, as
revoluções liberal e camponesa e o fim do antigo regime senhorial...
Assentada a poeira, a população praticamente duplica. E entrados no séc.
XX, com a sopa dos pobres na cidade ou 2 guerras mundiais, foi ali, nas
madrastas terras montanas que as pessoas tiveram de arrancar o pão para
a boca.
Entre
o meio de um século e o meio do outro, dá-se o maior pico de pressão
humana e o espaço para animais selvagens, mesmo nas ásperas e recônditas
serranias, fica reduzido a pequenas ilhas. Nas Serras do Açor e Lousã,
há aldeias (expl. Tarrastal, Góis) a nascer e a morrer neste período.
Os
Cervídeos, tal como o Urso, já não existiam, ficando o Javali confinado
a improdutivos barrancos, sobretudo junto às intratáveis encostas das
margens do Zêzere (Pampilhosa da Serra, Oleiros). Isto verificou-se por
todo o país: Cervídeos e Javalis desapareceram da Serra Algarvia, do
Pinhal de Leiria, das Serras de Sintra e Arrábida, das Serras
Beiradurienses... O Urso só esporadicamente nos visitou daí para cá. Só
os muros das Tapadas salvaram Veados e Gamos. E até às Cabras com
ferozes Cabrões do Gerês se sumiram...
O
pós-guerra marca o fim deste mundo rural. Os jovens partiram, para a
cidade ou para o estrangeiro, os mais velhos ficaram, mas foram
morrendo. Escolas, Palheiros, Moinhos, etc, viraram ruínas. Os rebanhos
desapareceram. Os socalcos encheram-se de Silvas e Giestas. Enormes
extensões onde o homem deixou de pisar desenvolveram matagais
impenetráveis, que só o fogo de quando em quando vai efemeramente
limpando. Note-se que estes movimentos de urbanização e litoralização
são, não obstante os ritmos, fenómenos globais...
As
montanhas do Centro, após testemunharem o regresso em força do Javali
ainda nos finais do século XX, viram também nos últimos 20 anos, e com
influência do sector cinegético, desenvolverem-se boas populações de
Veados e Corços. Mas não foi só aqui... Os Javalis regressaram a Sintra,
à Arrábida, ao Pinhal de Leiria ou às Serras do Porto. Os Cervídeos
voltaram à Serra Algarvia, à Beira Alta, ao Tejo ou ao Guadiana. A Cabra
voltou ao Gerês e até o Urso nos visitou recentemente. Com espaço
disponível como não havia há séculos, a bicharada voltou para ocupar os
seus antigos domínios.
NOTAS:
1)
Ao Veado, Gamo e Corço, Javali e Urso, juntam-se na história dos Montes
Hermínios animais que preferi excluir. Um deles é o Zebro, dado que
embora abunde toponímia e documentação, não há consenso sobre que animal
seria. De igual modo os trabalhos do naturalista espanhol A. Cabrera
levantam a possibilidade de aqui terem existido Cabras-bravas em tempos
históricos. Todavia, não lhes encontrei quaisquer referências concretas e
a falta delas, tendo em consideração a antiguidade da pastorícia e
mesmo da transumância (mais de 6 milénios), leva-me a pensar que o seu
desaparecimento pode ser muito anterior.
2)
Este texto visou a Veação de grande porte das nossas montanhas,
concretamente e em traços largos, a dinâmica das suas populações através
da história. Traços que permitiram extravasar as montanhas para grandes
marcos da nossa história coletiva, nacionais e mesmo mundiais. E não
deixa de ser relevante que para o fazer, é dispensável a actividade
venatoria em si (e falar de espingardas, de prémios, de armadilhas e
venenos, etc.), tantas vezes apontada como causa única do impacto humano
nefasto sobre esta bicharada. Pelo contrário, muito o sector tem
ajudado os bichos no seu regresso...
La Pequeña Edad del Hielo fue uno de los períodos más fríos de los últimos 10.000 años,
un período de enfriamiento que fue particularmente pronunciado en la
región del Atlántico Norte. Este periodo de frío, cuya cronología
precisa los académicos debaten, pero que parece haber comenzado hace
unos 600 años, fue responsable de malas cosechas, hambrunas y pandemias en toda Europa, lo que provocó la miseria y la muerte de millones.
Hasta
la fecha, los mecanismos que llevaron a este estado climático severo no
han sido concluyentes. Sin embargo, un nuevo artículo publicado
recientemente en Science Advances ofrece una imagen actualizada de los eventos que provocaron la Pequeña Edad del Hielo. Sorprendentemente, el enfriamiento parece haber sido provocado por un episodio inusualmente cálido.
Cuando el autor principal Francois Lapointe, investigador postdoctoral y profesor de geociencias en la UMass Amherst y Raymond Bradley, profesor distinguido de geociencias en la UMass Amherst
comenzaron a examinar cuidadosamente su reconstrucción de 3.000 años de
las temperaturas de la superficie del mar del Atlántico Norte, cuyos
resultados se publicaron en las Actas de la Academia Nacional de
Ciencias en 2020, notaron algo sorprendente: un cambio repentino
de condiciones muy cálidas a fines del 1300 a condiciones frías sin
precedentes a principios del 1400, solo 20 años después.
Utilizando muchos registros marinos detallados, Lapointe
y Bradley descubrieron que hubo una transferencia de agua cálida hacia
el norte anormalmente fuerte a fines del 1300 que alcanzó su punto
máximo alrededor de 1380. Como resultado, las aguas al sur de Groenlandia y los mares nórdicos se volvieron mucho más cálidas de lo habitual. "Nadie ha reconocido esto antes", señala Lapointe.
La AMOC anormalmente cálida y su colapso
Normalmente,
siempre hay una transferencia de agua cálida desde los trópicos hacia
el Ártico. Es un proceso bien conocido llamado Circulación Meridional de Retorno del Atlántico (AMOC por su siglas en inglés), que es como una cinta transportadora planetaria. Por lo general, el agua cálida de los trópicos fluye hacia el norte a lo largo de la costa del norte de Europa,
y cuando alcanza latitudes más altas y se encuentra con aguas árticas
más frías, pierde calor y se vuelve más densa, lo que hace que el agua
se hunda en el fondo del océano. Esta formación de aguas profundas luego
fluye hacia el sur a lo largo de la costa de América del Norte y
continúa circulando por todo el mundo.
Pero a fines del
1300, AMOC se fortaleció significativamente, lo que significó que mucha
más agua caliente de lo habitual se movía hacia el norte, lo que a su vez provocó una rápida pérdida de hielo ártico. En el transcurso de unas pocas décadas
a fines del 1300 y 1400, se arrojaron grandes cantidades de hielo al
Atlántico Norte, lo que no solo enfrió las aguas del Atlántico Norte,
sino que también diluyó su salinidad, lo que finalmente provocó el colapso de AMOC. Es este colapso el que luego desencadenó un enfriamiento sustancial.
Algo
ha pasado recientemente con la AMOC, ya que entre los años sesenta y
ochenta, también hemos visto un rápido fortalecimiento de AMOC, que se
ha relacionado con una presión persistentemente alta en la atmósfera
sobre Groenlandia. Lapointe y Bradley piensan que la misma situación
atmosférica ocurrió justo antes de la Pequeña Edad de Hielo, pero ¿qué pudo haber desencadenado ese persistente evento de alta presión en la década de 1380?
Respuesta a lo ocurrido en el pasado
Lapointe descubrió que la respuesta se encuentra en los árboles. Una vez que los investigadores compararon sus hallazgos con un nuevo registro de actividad solar revelado por isótopos de radiocarbono conservados en anillos de árboles, descubrieron que se registró una actividad solar inusualmente alta a fines del 1300. Esta actividad solar tiende a generar una alta presión atmosférica sobre Groenlandia.
Al mismo tiempo, estaban ocurriendo menos erupciones volcánicas en la Tierra, lo que significa que había menos cenizas en el aire. Una atmósfera "más limpia" significaba que el planeta respondía mejor a los cambios en la producción solar. "Por
lo tanto, el efecto de la alta actividad solar en la circulación
atmosférica en el Atlántico norte fue particularmente fuerte", dijo Lapointe.
Lapointe
y Bradley se han estado preguntando si un evento de enfriamiento tan
abrupto podría volver a ocurrir en nuestra era de cambio climático
global. Señalan que ahora hay mucho menos hielo marino en el Ártico
debido al calentamiento global, por lo que es poco probable que ocurra un evento como el de principios del siglo XV, que involucre el transporte de hielo marino.
"Sin
embargo, tenemos que estar atentos a la acumulación de agua dulce en el
mar de Beaufort (norte de Alaska), que ha aumentado en un 40% en las
últimas dos décadas. Su exportación al Atlántico norte subpolar podría
tener un fuerte impacto sobre la circulación oceánica ”, dijo Lapointe.
"Además, los
períodos persistentes de alta presión sobre Groenlandia en verano han
sido mucho más frecuentes durante la última década y están vinculados
con el derretimiento del hielo sin precedentes. Los modelos
climáticos no capturan estos eventos de manera confiable y, por lo
tanto, podemos estar subestimando la pérdida futura de hielo del capa de
hielo, con más agua dulce entrando en el Atlántico Norte, lo que podría
conducir a un debilitamiento o colapso del AMOC ". Los autores concluyen que existe una necesidad urgente de abordar estas incertidumbres.
Um carvalho-alvarinho (Quercus robur)
de 400 anos de idade que vive na província de Podlaskie, na Polónia,
junto à famosa floresta de Białowieża, foi eleito hoje o grande vencedor
do concurso Árvore Europeia do Ano 2022. Em terceiro lugar ficou um
sobreiro português.
No
âmbito da participação do IPMA no projeto FIRESTORM (Weather and
Behaviour of Fire Storms) financiado pela FCT (Fundação para a Ciência e
a Tecnologia) foi concluído, em parceria com a ADAI (Associação para o
Desenvolvimento da Aerodinâmica Industrial), participante no mesmo
projeto, o artigo científico intitulado Influence of Convectively Driven Flows in the Course of a Large Fire in Portugal: The Case of Pedrogão Grande (Influência de um Sistema Convectivo sobre os Incêndios de Pedrógão Grande).
Este artigo foi recentemente publicado (março 2022) na revista
Atmosphere (MDPI), integrado no tema especial Advances in
Fire-Atmosphere Interaction.
O trabalho procurou explicar a influência que o sistema meteorológico
que se propagou nas proximidades de dois incêndios iniciados durante a
tarde de 17 de junho de 2017, em Escalos Fundeiros e Regadas (Pedrógão
Grande), teve na evolução dos referidos incêndios. Verificou-se que o
sistema apresentou caraterísticas particulares e que gerou episódios de
vento forte à superfície por meio de dois mecanismos fundamentais, um
dos quais terá condicionado a propagação do fogo de modo mais
significativo.
Na fase inicial e madura do sistema ocorreu atividade convectiva na
sua secção dianteira, que se traduziu pela ocorrência de trovoada e se
revelou prolífica geradora de fenómenos do tipo downburst. Trata-se de
correntes de ar descendente que, neste caso, foram produzidas pelos
efeitos combinados da sublimação e fusão de graupel e granizo e da
evaporação de gotas de água que precipitaram a partir dos núcleos
convectivos. Estes coexistiam com uma massa de ar seco em que o sistema
meteorológico se propagava. As correntes descendentes associadas a cada
um dos núcleos convectivos eram fortes e organizadas, acelerando à
medida que se aproximavam do solo e divergindo à proximidade deste
produzindo, então, escoamentos junto à superfície que geraram vento
forte, com rajadas. Estes efeitos foram reportados pela população em
diversos locais situados a sul da área dos incêndios e também foram
observados em estações meteorológicas de superfície. A contínua
monitorização das plumas dos incêndios durante estas fases sugeriu, no
entanto, que estes fenómenos não terão influenciado os incêndios de modo
significativo.
Num momento posterior do ciclo de vida do sistema meteorológico, e
quando este se encontrava mais próximo dos incêndios, verificou-se a
gradual dissipação dos seus núcleos convectivos e o estabelecimento de
um conjunto de duas correntes de ar principais. Por um lado, uma
corrente de ar ascendente e inclinada, que transportava ar situado
adiante do sistema em níveis baixos, para níveis elevados da região
posterior do sistema convectivo. Por outro, uma corrente de ar
relativamente seco que penetrava pela secção posterior do sistema
meteorológico, aos níveis médios, e que o foi atravessando ao longo de
extensos volumes atmosféricos ricos em partículas de gelo e gotas de
água. Neste processo esta corrente de ar foi perdendo calor por efeitos
de sublimação, fusão e evaporação de hidrometeoros, o que conduziu ao
seu progressivo arrefecimento e consequente atitude descendente, com
aceleração. Verificou-se que esta corrente de ar descendente, dirigida
na direção dos incêndios, era caraterizada por uma escala espacial maior
do que a que havia estado associada a cada um dos referidos downbursts
e, também, que os seus efeitos foram mais duradouros, tendo influenciado
a área em que os incêndios se propagavam, contribuído para antecipar a
sua junção e a produção da chamada tempestade de fogo que se lhe seguiu.
No final do artigo existe um link para acesso às figuras em material suplementar.
Populações de águias no Alentejo estáveis e a aumentar - relatório ICNF
Fernando Peixeiro
Massachusetts
Lisboa, 23 mar 2022 (Lusa) – As populações de águias na região do
Alentejo aumentaram nos últimos anos, com a águia-de-bonelli a crescer
140% em 15 anos e a da águia-imperial-ibérica com mais 60% nos últimos
três anos, foi hoje anunciado.
Os números constam de um relatório
sobre populações de águia-imperial-ibérica, águia-real e
águia-de-bonelli no Alentejo que é hoje apresentado pelo Instituto da
Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), que em comunicado
salienta a importância do Alentejo para determinadas espécies de
rapinas, nomeadamente com estatuto desfavorável.
Os dados fazem
parte do Plano de Monitorização de Valores Naturais da Divisão de Áreas
Classificadas da Direção Regional de Conservação da Natureza e Florestas
do Alentejo (DRCNF-Alentejo), focado especialmente nos três tipos de
águias, e são divulgados numa sessão ‘online’ ao início da tarde.
Segundo
o documento, a águia-imperial-ibérica apresenta um crescimento com
tendência positiva, teve nos últimos três anos um aumento de 60% da
população (13 para 20 casais) e tem um estatuto de conservação em
Portugal avaliado como “criticamente em perigo”. Na década de 1980
deixou de nidificar em Portugal e foi considerada extinta enquanto
espécie reprodutora, mas a partir de 2003 voltou a reproduzir-se no
país.
Quanto à águia-real, comparando com dados de 2002 e 2004,
considera-se que o crescimento da espécie está estável (nove casais
nesses anos e 10 casais em 2020). A maior águia da Península Ibérica,
tem um estado de conservação definido como “em perigo”.
A
águia-de-bonelli tem uma tendência positiva de crescimento, com um
aumento de 140% nos últimos 15 anos (27 casais em 2005 e 65 casais em
2020), e um estatuto de conservação avaliado como “em perigo”.
De
acordo com o comunicado do ICNF foi também libertada, na terça-feira,
uma águia-imperial-ibérica no Parque Natural do Vale do Guadiana. Tinha
sido recolhida doente pela GNR em dezembro passado, no distrito de Beja.
O
trabalho de monitorização juntou, além do ICNF, o projeto Biotrans,
Gestão Integrada da Biodiversidade na Área Transfronteiriça, que é
cofinanciado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER)
através do Programa Interreg V-A Espanha-Portugal (POCTEP) 2014-2020.
O
objetivo do projeto é a gestão conjunta e integrada da conservação da
biodiversidade na região EUROACE (Centro-Alentejo-Extremadura) através
de ações conjuntas e sinérgicas entre parceiros portugueses e espanhóis
para proteger e conservar grupos biológicos e espécies identificadas na
área.
17 de março de 2022 (Atualização) - Episódio de Poeiras em Supensão - Impacto nas previsões meteorológicas
O episódio de poeiras que está a afetar Portugal Continental desde o
passado dia 15 de março teve origem em tempestades de areia no Norte de
África. Estas tempestades resultaram do vento forte à superfície
associado à depressão Célia, a qual influenciou o estado do tempo na
Madeira nos dias 14 e 15 de março e se encontra neste momento sobre o
Mediterrâneo em fase de dissipação.
Para saber mais sobre os impactos na qualidade do ar e na saúde,
provocados pela elevada concentração de poeiras nos níveis baixos da
atmosfera, pode ser consultada a informação disponibilizada nos sites da
Agência Portuguesa do Ambiente (link 1) e da Direção Geral da Saúde
(link 2).
Além dos impactos deste episódio de poeiras ao nível social, uma análise
preliminar permitiu também identificar um impacto no desempenho dos
modelos numéricos de previsão do tempo. Em particular, sobre Portugal
Continental, foi possível identificar que a existência de uma elevada
concentração de poeiras nos níveis médios e altos da atmosfera
(correspondendo a uma maior disponibilidade de núcleos de condensação)
deu origem à formação de uma densa camada de nuvens que de outro modo
não se teria formado e que, por esse motivo, não foi bem prevista pelos
modelos numéricos de previsão do tempo (ver Figuras 1 e 2).
Em consequência da referida camada de nuvens, a radiação solar que
atingiu a superfície foi menor que a prevista pelos modelos numéricos e,
em consequência, os valores da temperatura do ar, em particular da
temperatura máxima, foram inferiores aos valores previstos, com as
diferenças a atingirem cerca de 5 °C em alguns locais. Informação mais
detalhada sobre estes impactos requererá uma análise mais exaustiva do
presente episódio.
A análise preliminar deste episódio sobre Portugal Continental, sugere
que a elevada concentração de poeiras do deserto junto à superfície está
relacionada com o padrão da circulação atmosférica associada à
depressão Célia, que permitiu transportar as poeiras em níveis baixos da
atmosfera desde a região da Argélia até à Península Ibérica,
contornando o sistema montanhoso do Atlas pelo seu bordo oriental.
Tipicamente as poeiras resultantes das tempestades de areia na região da
Argélia são transportadas para o Mediterrâneo vindo a afetar também os
países Mediterrânicos do sul da Europa.
É frequente a Península Ibérica ser afetada por tempestades de areia que
se formam na região de Marrocos a sul do Atlas. Nestes casos, o
transporte das poeiras ocorre ou pelo bordo ocidental do Atlas, através
de uma circulação sobre o oceano Atlântico, ou através de um fluxo para
norte sobre o Atlas, em que as poeiras são projetadas para níveis mais
elevados da atmosfera. Em qualquer destes casos as concentrações próximo
da superfície tendem a ser inferiores ao caso atual.
A concentração de poeiras sobre a Península Ibérica deverá diminuir
gradualmente, no entanto não é de excluir a probabilidade de poder
continuar a afetar o estado do tempo até dia 19, podendo persistir a
formação de uma camada de nuvens altas, a dissipar-se lentamente,
condicionando a temperatura observada à superfície. O vento irá
persistir do quadrante leste, sendo temporariamente forte nas terras
altas.
15 de março de 2022 - Episódio de Poeiras em Suspensão
Está a ocorrer o transporte de poeiras sobre o território continental
devido a um fluxo de sul induzido pela depressão Célia. As poeiras em
suspensão, oriundas do norte de África, atingiram a Península Ibérica
prevendo-se que persistam até ao fim do dia 17, quinta-feira.
Os efeitos mais visíveis são a alteração da cor do céu visto que as
poeiras estão normalmente acima da superfície, embora dependendo da sua
concentração possam atingir níveis mais baixos com implicações na
qualidade do ar e possíveis impactos na saúde. Também é possível ocorrer
a deposição das poeiras através da precipitação, esta situação é mais
provável na região Sul nos dias 15 e 16 de março (Figura 3).
Figura
1 – (17/03/2022 às 09:30 UTC) Imagem combinada do satélite Meteosat de
2ª Geração. Tons de magenta identificam regiões de poeira em que não
existem nuvens constituídas por água liquida ou por gelo. Tons de
castanho identificadas nuvens espessas, que podem conter poeira.
Figura
2 – Comparação entre a imagem na banda de infravermelho 10.8 micra
simulada com base nas previsões do modelo do ECMWF para as 12 UTC do dia
17/03/2022 (à esquerda) com a correspondente observação (à mesma hora)
obtida com o satélite Meteosat de 2ª geração (à direita), resultante da
influência das poeiras em suspensão.77
Figura
3 - (15/03/22 às 11:00 UTC) imagem de satélite, produto Dust RGB, com a
localização dos máximos de concentração de poeira nas zonas
identificadas pela cor rosa/magenta bastante acentuada, ou seja mais
evidente nas regiões Norte e Centro do território continental, França e
Argélia. As zonas a vermelho escuro representam nebulosidade média e
alta também sobre Portugal.
Sabia que legalmente é possível apropriar-se de um bem que não é seu
se o possuir durante um longo período de tempo e de forma continuada?
Esta situação designa-se por usucapião e através desta pode adquirir-se a
propriedade plena de algo, inclusive de imóveis. Descubra como se
adquire este direito e o que fazer para invocá-lo.
O que é a usucapião?
O artigo 1287º do Código Civil estipula que “A
posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo,
mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição
em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua
actuação: é o que se chama usucapião”.
Uma vez invocada a usucapião por alguém, esta começa a produzir
efeitos a partir da data na qual a pessoa tomou posse do bem (artigo
1288º do Código Civil).
Para haver este tipo de apropriação, não basta que haja uma posse
material do bem, sendo necessário que quem possui tenha mesmo a intenção
de agir como sendo o único proprietário do bem em questão.
Ao fim de quanto tempo se pode invocar a usucapião em Portugal?
O prazo para a invocação deste direito varia consoante o tipo de bem a que se refere.
Consoante o Código Civil, se se tratar de bens móveis que não estejam
sujeitos a registo, a usucapião dá-se ao fim de três anos após a posse
do bem (artigo 1299º).
No caso dos bens imóveis, os prazos são os abaixo indicados.
Bens imóveis com existência de título de aquisição e registo
Gera-se o direito de propriedade sobre um imóvel ao fim de 10 anos a
contar da data do registo e se este for de boa fé [alínea a) do artigo
1294º do Código Civil]. Se houver má fé, há lugar à usucapião ao fim de
15 anos a contar dessa mesma data [alínea b) do artigo supramencionado].
Bens imóveis sem título de aquisição e registo
Quando não existe registo do título de aquisição, mas apenas mera
posse, são necessários 20 anos se a posse for de má fé ou 15 anos se for
de boa fé (artigo 1296º).
Tome nota: boa fé versus má fé
A lei portuguesa utiliza esta distinção para
estabelecer os prazos da usucapião. Estar de “má fé” nesta situação
significa saber que o bem possuído pertence a outra pessoa e
aproveitar-se da ausência desta. A única diferença entre estar de “boa
fé” ou “má fé” na usucapião diz respeito ao prazo para poder invocá-la:
se quem se apropria do bem estiver de má fé, acrescem cinco anos ao
prazo que se aplicaria a quem estiver de boa fé.
Cabe referir ainda que, para que produza os devidos efeitos, a
usucapião deve ser pública e pacífica – isto é, o bem que está a ser
alvo de mudança de propriedade não deve gerar quaisquer conflitos e deve
ser reconhecido, de forma generalizada, como sendo de quem invoca a
usucapião.
O próprio artigo 1297º é elucidativo nesta matéria: “Se a posse
tiver sido constituída com violência ou tomada ocultamente, os prazos da
usucapião só começam a contar-se desde que cesse a violência ou a posse
se torne pública.”
Como é que se invoca a usucapião de um bem imóvel?
Para reclamar para si um bem imóvel por usucapião terá de solicitar
que lhe seja reconhecido o direito à propriedade através de uma
escritura de justificação notarial. Para tal, terá de declarar que é o
proprietário do bem em questão, excluindo qualquer outra pessoa.
Deve especificar o porquê da aquisição e quais foram as razões que o
impediram de comprovar através de métodos normais. Terá também de
mencionar a natureza da utilização do bem e as circunstâncias que
determinaram o início da posse e que deram origem à usucapião.
A lei determina que a utilização deve ser reconhecida de forma
generalizada pelas pessoas nas redondezas, não deverá dar origem a
possíveis conflitos e que o uso do bem em si deve ser contínuo ao longo
do tempo.
Pode pedir o direito de reconhecimento num serviço de registo predial, processo este que requer as seguintes condições:
Os documentos que comprovem a sua situação concreta, sendo que estes
podem variar consoante o que os serviços poderão considerar como
relevantes;
Três testemunhas que não tenham uma relação de parentesco direta com
o interessado que possam atestar relativamente à utilização do bem por
parte do mesmo;
Afixação de editais;
Pagamento de emolumentos;
Um período para a oposição por parte de terceiros.
Caso não haja nenhum terceiro a contestar o direito de usucapião,
então o bem imóvel passará a ser propriedade do interessado. Esta acaba
por ser uma versão resumida deste processo, sendo que para um
acompanhamento mais completo desta situação aconselhamos que recorra a
apoio jurídico especializado.
É possível invocar a usucapião de um imóvel arrendado?
Para que uma casa se torne sua por usucapião, não basta que seja um
mero detentor da mesma. Um inquilino de uma habitação arrendada não se
torna proprietário desta ao fim de 20 anos, uma vez que a sua relação
com o proprietário do imóvel existe, seja porque este emprestou a casa
ou porque há um contrato de arrendamento. Desta forma, o detentor do imóvel (o inquilino) não se torna proprietário por usucapião.
Imagine que encontra um terreno que lhe parece abandonado e decide
começar a arranjá-lo e a cultivá-lo. É possível que, dentro de 15 a 20
anos, se ninguém reclamar o direito de propriedade em questão, possa
então invocar a usucapião, tornando-se o proprietário legítimo desse
terreno.
Suponha que recebe uma herança e que não procede logo à habilitação de herdeiros,
tornando-se difícil, com o passar do tempo, saber o que pertence a cada
herdeiro. Neste caso, estes podem invocar a usucapião de maneira a
legalizarem a posse de determinados bens.
Se detetar que existe algum bem seu que está a ser alvo de usucapião
de forma ilícita, deve atuar sobre isso e recorrer à justiça, uma vez
que, para que se invoque este direito, é indispensável que seja de forma
pacífica e não oculta.
Nestes casos, poderá avançar com uma ação judicial contra terceiros
para que o direito à usucapião seja revogado e, consequentemente, que a
posse do bem seja revertida para si.
Está
a ocorrer o transporte de poeiras sobre o território continental devido
a um fluxo de sul induzido pela depressão Célia. As poeiras em
suspensão, oriundas do norte de África, atingiram a Península Ibérica
prevendo-se que persistam até ao fim do dia 17, quinta-feira.
Os efeitos mais visíveis são a alteração da cor do céu visto que as
poeiras estão normalmente acima da superfície, embora dependendo da sua
concentração possam atingir níveis mais baixos com implicações na
qualidade do ar e possíveis impactos na saúde. Também é possível ocorrer
a deposição das poeiras através da precipitação, esta situação é mais
provável na região Sul nos dias 15 e 16 de março. O que pode observar-se na figura? imagem de satélite,
produto Dust RGB, com a localização dos máximos de concentração de
poeira nas zonas identificadas pela cor rosa/magenta bastante acentuada,
ou seja mais evidente nas regiões Norte e Centro do território
continental, França e Argélia. As zonas a vermelho escuro representam
nebulosidade média e alta também sobre Portugal.
Imagens associadas
Imagem de satélite (produto Dust RGB) - Localização dos máximos de concentração de poeiras
Como será contar a história não de um idioma em particular, com
as suas transformações e expansões, mas sim das várias línguas que se
ouviram numa só cidade, ao longo dos séculos? Escolho Lisboa, por ser a
cidade onde por acaso vivo.
1. Lisboa há 40 000 anos
A nossa capacidade de reconstruir as línguas do passado não consegue
recuar mais de uns 6000 ou 7000 anos — e mesmo essas reconstruções são
arriscadas. No entanto, todos os linguistas concordam que há largas
dezenas de milhares de anos já haveria línguas humanas. Alguns afirmam
mesmo que há milhões de anos que se ouvem no mundo línguas humanas — mas não precisamos de ir tão longe.
Assim, se caíssemos na Lisboa de há 40 000 anos, que seria uma
agradável zona de rios, florestas e colinas, um pouco mais longe do mar
do que hoje, encontraríamos bandos de humanos, talvez a caçar, talvez a
conversar, e se tempo tivéssemos para estudar os seus hábitos,
encontraríamos línguas com gramáticas complexas e palavras tão
expressivas como as palavras de qualquer língua actual. Ninguém
escrevia, mas todos conversavam com a mesma intensidade das conversas de
agora.
O vocabulário seria o necessário para o tempo, bastante mais rico do
que o de hoje na referência a plantas ou perigos naturais, talvez um
pouco menos expressivo na descrição de ferramentas informáticas (entre
outras).
Tais antigas línguas foram mudando, misturando-se, desaparecendo,
dividindo-se. Algumas delas deram origem às línguas que falamos hoje.
Outras terão desaparecido sem deixar rasto — ou deixando apenas uma ou
outra palavra ou construção que agora usamos sem suspeitar que teve
origem no falar de uma velha tribo que por aqui cirandou há muitos
milhares de anos, com os seus mitos, as suas histórias, as suas ilusões e
certezas. Um tempo tão colorido como o nosso para quem nele viveu.
2. Línguas no fim do mundo
Avancemos até aos tempos em que já sabemos alguma coisa sobre as
línguas desta zona. Muito antes do latim, haveria línguas
pré-indo-europeias, que deixaram poucos vestígios que consigamos
identificar.
Dizer poucos vestígios talvez seja injusto, se alargarmos o
nosso olhar para toda a Península onde está Lisboa. Afinal, um dos
vestígios é uma língua inteira, ainda hoje falada na Península: o basco,
uma língua pré-indo-europeia. Sabe-se que houve na Península uma outra
língua a que chamamos ibérico, de que restam algumas inscrições, e
outras, de que sobraram uns poucos intrigantes vestígios.
Há 7000 anos, quem vivesse à volta do estuário do Tejo ouviria
palavras de viajantes de outras zonas da Ibéria, que falariam nessas
línguas antigas. Não seria impossível encontrar falantes do basco da
época, do tal ibérico, de línguas mais próximas que hoje não têm nome
— e ainda palavras das línguas do Norte de África. Não se ouviria,
certamente, uma só língua. É difícil reconstruir a paisagem linguística
desses tempos. Temos apenas vislumbres.
Para contar a história das línguas de Lisboa, temos agora de dar um
salto até ao outro lado da Europa. Na zona da actual Ucrânia, pensa-se
(a localização exacta é objecto de velha controvérsia), falava-se há uns
6000 anos uma língua que tem hoje o desconfortável nome de proto-indo-europeu. Que nome teria na época, ninguém sabe.
Esta língua veio a ter uma importância tremenda, sem que os seus
falantes tivessem alguma ideia disso — línguas actuais tão díspares como
o ucraniano, o português, o persa, o inglês, o russo, o hindi ou o
sueco descendem todas, com mais ou menos sobressaltos, desse falar
antigo.
O proto-indo-europeu não apareceu do nada — veio de línguas ainda
mais antigas e todas elas terão vindo, se andarmos suficientemente para
trás no tempo, de África. O certo é que esta língua viajou, a bordo do
cérebro dos falantes, em direcção ao ocidente — acabando por chegar a
este fim do mundo onde está Lisboa em duas levas.
3. Celtas, fenícios e outros viajantes
Todos já ouvimos falar dos celtiberos e de outros povos das
redondezas. Foi essa a primeira onda de línguas indo-europeias que
chegou a Lisboa: as chamadas línguas celtas. Por Lisboa e arredores
falar-se-iam estas línguas e nelas haveria um nome para este lugar.
Que nome? Não sabemos.
Podemos, no entanto, imaginar estas colinas de há milhares de anos,
por onde corriam éguas que emprenhavam só com o vento, como vários
autores romanos descreveram e recordou Damião de Góis, em latim, na sua Urbis Olisiponis descriptio, de 1554, no auge da cidade.
Latim… É hoje língua antiga, alguns crêem-na morta — mas, nesta época
em que aterrámos, é uma língua do futuro. Este é ainda o tempo das
línguas sem nome.
As línguas indo-europeias não apagaram todas as outras. Nestas
colinas continuaram a ouvir-se línguas de muitas origens — até línguas
do levante por aqui se falaram.
Sabe-se que chegaram a Lisboa os fenícios, que trouxeram a sua
língua, também ouvida em redor desta baía, e o seu sistema de escrita
(uma velha tradição afirma mesmo que o nome actual da cidade terá origem
fenícia, mas não há fundamentos sólidos que a sustentem).
Os caracteres fenícios vieram a dar origem ao nosso alfabeto,
passando pelo alfabeto grego, que lhes acrescentou as vogais, dando por
fim origem ao alfabeto latino, que acabou por também aqui vir parar, a
cavalo da língua latina — mas ainda não chegámos lá…
Os caracteres fenícios foram usados pelo Mediterrâneo fora e chegaram
mesmo a este porto atlântico, muito antes de se terem transformado em
letras latinas. Estão presentes, por exemplo, num túmulo do século VII
a. C., encontrado em Lisboa há poucos anos. A pedra tinha sido
reutilizada numa construção romana mais recente, como descrito no artigo
em que os arqueólogos revelam a descoberta (Neto et al. 2016).
O que está ali escrito? Tanto quanto é possível reconstruir, a inscrição refere-se a Wadbar, filho de Ibadar. É o mais antigo nome de lisboeta que se conhece.
Na Lisboa de Wadbar, ouviam-se línguas de toda a Ibéria e do Norte de
África. Ouviam-se palavras fenícias, cartaginesas e gregas — a lenda
diz, aliás, que foi Ulisses que fundou a cidade. Será um mito, mas a
verdade é que as várias línguas do Mediterrâneo vieram parar a esta
cidade atlântica, para lá do fim do mundo.
4. Línguas vindas de Itália
A primeira onda de línguas indo-europeias foram as tais línguas
celtas, que se vieram somar às línguas pré-indo-europeias e às outras
línguas que aqui aportavam. A segunda onda de idiomas indo-europeus, já
bastante diferentes das línguas celtas, foi a onda das línguas itálicas.
O chamado lusitano, que terá sido falado numa região a norte
de Lisboa, poderá ter sido uma língua itálica. A verdade é que temos
tão poucas inscrições que não é possível saber exactamente a que família
das línguas indo-europeias esta língua pertence — mas era claramente
indo-europeia (e foi escrita com o alfabeto latino).
A nossa propensão para ligar o termo «Lusitânia» a Portugal talvez
nos incline para considerar o lusitano como uma língua muito nossa; é
possível que tenha deixado vestígios no latim e que ainda hoje usemos
uma ou outra palavra que tenha passado pelo lusitano; no entanto,
podemos dizer o mesmo das outras línguas por aqui faladas. Mais: à
época, ninguém chamaria «lusitano» à língua. Esse é nome muito
posterior.
5. Latim à lisboeta
Chega então a Lisboa, no século II a. C., uma língua vinda da
Península Itálica: o latim. Durante muito tempo, em Lisboa, ouvir-se-iam
muitas das línguas da zona, à mistura com latim dos soldados e dos
romanos — o latim vulgar mais que o latim clássico, que apareceria na
escrita e num ou noutro discurso.
Os romanos não substituíram a população. Vieram aos poucos,
misturaram-se, a população local ganhou hábitos romanos — e entre esses
hábitos, o grande hábito da língua. Os habitantes desta cidade começaram
a falar latim com cada vez maior frequência, as novas gerações ouviam
muito latim, que tinha mais prestígio que as anteriores, o próprio
discurso na língua anterior misturava-se facilmente com a nova língua…
Quando deram conta, os falantes já nem se lembravam da língua dos
avós — mas é provável que falassem latim com certas inflexões das
antigas línguas — falavam latim com sotaque. O latim falado em Lisboa tinha o sabor de línguas antigas.
6. Bem-vindos a Hispânia
Algumas centenas de anos depois da chegada do latim a estas paragens,
ouviríamos latim em toda a Península, com a excepção conhecida do
basco, ali a um canto, e outras excepções que hoje não conhecemos (as
línguas berberes, por exemplo, já por cá se ouviriam).
O latim hispânico tinha características próprias — um habitante de
Itália reconheceria um hispânico pelo seu sotaque, talvez pela sua
sintaxe peculiar e, certamente, por uma ou outra palavra típica. O latim
nunca foi (como nenhuma língua alguma vez o foi) uma língua uniforme.
Mesmo dentro da Península, o latim falado em Lisboa teria
características próprias, fruto da particular mistura de línguas que por
aqui havia antes e ainda das várias influências que chegavam à cidade.
Lisboa era habitada por hispanos, o nome que os habitantes dariam a
si próprios, cidadãos romanos de uma zona particular do Império. Parte
da população teria vindo do Norte de África, outra de outras zonas. As
misturas entrevêem-se no estudo da História e da genética, mas são
demasiado complexas para se conhecerem em detalhe.
Um lisboeta do século III d. C. falaria latim hispânico à lisboeta.
Andando para leste, em direcção, por exemplo, a Barcelona, iria
encontrando variações, sem cortes, sem deixar de compreender o que
ouvia. Essas variações, subtis, acabaram amplificadas pelo tempo. São
sementes das línguas que virão.
7. Uma língua que fica
A Queda do Império Romano, enquanto acontecimento cataclísmico, é uma
forma peculiar de contar a história. À época, é provável que ninguém
tivesse dito: «Olha, o Império acabou!». Antes de mais, porque o
Império, na verdade, não acabou. Continuou a haver um imperador em
Constantinopla, a cidade que mais tempo foi capital do Império, durante
séculos e séculos. A grande mudança foi, mais que uma queda, a cristianização do Império.
Quando vários senhores germânicos começaram a governar grandes
parcelas do Império, assumiram o cristianismo e as tradições romanas e a
população não terá sentido um corte radical com o passado. Lisboa
continuou a ser uma cidade hispana (ou seja, romana) e cristã.
Poucas palavras germânicas por aqui ficaram, o que mostra como os
reinos visigodo e suevo, tradicionais simplificações de uma história
convulsa, se assumiram como continuação das sociedades romanizadas. Os
lisboetas continuaram a falar latim, com algumas palavras de outras
paragens.
Da mesma forma, quando grande parte da Península passou a ser
governada pelos muçulmanos, no século VIII, a população de Lisboa
continuou a falar a língua que já falava, mas agora com o árabe como
língua da administração e de prestígio.
Ouvir-se-iam também, pelas ruas de Lisboa, línguas berberes, de que
poucos falam — e que não chegaram com o domínio muçulmano: já cá
estavam. Essas línguas ainda hoje são faladas no Norte de África. As
letras à esquerda nesta rocha, em Marrocos, representam uma língua que
descende de línguas bem lisboetas (não é um código, é o sistema de
escrita chamado tifinagh):
Um cristão lisboeta do século X falaria aquilo a que chamaria latino, mas utilizaria palavras árabes para certos conceitos. Diria, talvez, que precisaria de um alvará para uma certa actividade, por exemplo, uma palavra que ainda hoje usamos.
A esse latim que por aqui continuou a ser falado, com influências árabes e berberes, chamamos hoje moçárabe,
uma designação que não era usada na altura. O próprio cristianismo
continuou a ser praticado, com um rito próprio que denominamos também moçárabe.
7. Lisboa do ano 1000
Se aterrássemos na Lisboa do ano 1000, ouviríamos línguas berberes,
ouviríamos árabe (pelo menos, nas orações), ouviríamos o tal moçárabe,
que também variaria de região para região — um visitante de Badajoz
falaria de maneira diferente — e ainda o latim variado dos vários reinos
cristãos do Norte entre visitantes ou gentes que tivessem visitar ou
viver para Lisboa vindos de lá.
Se um lisboeta do século X reparasse na maneira de falar de algum
viajante vindo da Galécia, lá do Norte, talvez notasse a maneira
peculiar como diria as palavras, deixando cair os sons /n/ e /l/ no meio
das palavras. Diria, por exemplo, «lua» — e não «luna», como se dizia
em Lisboa. Por esta época já aquelas pequenas diferenças entre o latim
das várias zonas da Hispânia estariam amplificadas e a caminho de se
tornarem as línguas que hoje conhecemos. Mas ainda não chegámos lá.
Em 1108, a Lisboa muçulmana, onde a população falava latino e
era ainda, em grande parte, cristã, foi invadida pelos noruegueses, a
caminho da Palestina. Ouviu-se então, por estas ruas, o antigo nórdico
que associamos aos viquingues. Não durou muito: depressa a cidade voltou
ao domínio muçulmano. As lutas entre senhores cristãos e muçulmanos
continuaram, para aborrecimento geral da população.
Nesta Lisboa antes de Portugal, ouvimos pelos séculos fora línguas de
que não sabemos o nome, línguas celtas, línguas itálicas, línguas
berberes, o árabe em vários sabores, o hebraico das orações judaicas,
uma ou outra conversa em línguas germânicas — e até um pouco de antigo
nórdico… Muitas destas línguas misturavam-se nas ruas e nas casas.
Uma cidade digna de se chamar cidade raramente tem uma só língua.
8. Uma língua vinda do Norte
Em 1147, um rei vindo de norte, com ajuda de cruzados, cercou a cidade.
Os soldados de Afonso Henriques falariam várias formas de linguagem — a língua das ruas do noroeste da Península, a que poucos chamariam latino,
por estar a palavra reservada para o latim da escrita. A sul, note-se,
com o árabe como língua de prestígio e da escrita, a palavra latino podia designar perfeitamente a língua da rua — assim, podemos dizer que o cerco de Lisboa foi um cerco de falantes de linguagem a uma cidade habitada por falantes de latino (entre outras línguas), embora esta dicotomia seja uma simplificação.
Hoje, anacronicamente, chamamos galego-português à língua de Afonso Henriques e moçárabe
à língua de grande parte da população da Lisboa cercada. Ninguém, à
época, chamaria tais coisas aos falares que lhes saíam da boca para
fora.
Os cruzados, claro, falavam também várias línguas. Os nobres
ingleses, por exemplo, conversariam em francês normando, com mistura do
inglês do povo do seu país. Os flamengos falariam um dos vários falares
frâncicos (germânicos) ou latinos (do Norte de França). As divisões
entre povos eram porosas. Ninguém tinha um país, uma palavra
que surgiria muito depois. Teriam terras e teriam senhores, numa rede de
relações complexas muito diferente da nossa Europa de agora, dividida
em estados soberanos.
Também poucos desses cruzados teriam uma só língua: saberiam
comunicar em vários falares latinos, germânicos ou celtas, com misturas e
aproximações. O nosso tempo de países que preferem ter (mesmo quando
não têm) uma só língua oficial não nos ajuda a compreender a situação.
A população chamaria francos aos cruzados, uma designação
geral para os habitantes de largas zonas do Ocidente do Império. Estes
cruzados francos comunicariam bem entre si numa lingua franca, língua dos francos, feita dessas misturas e aproximações.
Lingua franca era também a designação da língua do Mediterrâneo que servia para que estes francos do Ocidente comunicassem com os romanos
do Oriente — os romanos eram agora os habitantes do Império a Oriente,
com a capital em Constantinopla (ou Bizâncio). Naquela época, gregos que
aportassem à Lisboa conquistada pelos cruzados diriam de si próprios,
em grego, que eram «rhōmaîoi» — romanos — em terra de francos.
Por esses tempos, a língua dos romanos era o grego; a língua dos francos
era ainda o latim, mas só na escrita — da boca para fora, a conversa
era outra.
9. Línguas cercadas
Voltemos à Lisboa cercada por Afonso Henriques. Quando a cidade cai,
por fim, os novos senhores pouca diferença visível encontravam entre os
muçulmanos e os moçárabes cristãos. O próprio bispo cristão foi
executado. Lisboa ganhou um novo bispo — inglês — e novos senhores.
A população não terá deixado de falar de repente o seu latino
à lisboeta, o tal moçárabe com muitas palavras árabes. A língua de
prestígio voltou a ser o latim da escrita. Os novos senhores da cidade,
vindos de norte, falavam no dia-a-dia um latim diferente, a linguagem
do Noroeste. Como eram variantes latinas, terá havido uma natural e
progressiva aproximação entre as formas de falar. A sintaxe e muito
vocabulário do Norte foi-se imiscuindo na língua dos lisboetas, que
mantiveram certamente um sotaque e vocabulário próprios.
Nessa época, se gente de outras partes da Península por aqui
aparecesse, dir-se-ia que falavam de outras maneiras, mas não havia
ainda ideia de que esses falares eram línguas distintas (línguas a sério,
na mente da época, eram o latim, o grego, o árabe…). Mas, ainda sem
nome fixo e em cinco faixas imprecisas, as línguas latinas da Península
espalhavam-se de norte para sul, substituindo lentamente o moçárabe do
Sul.
Foi o que aconteceu nesta faixa ocidental. Por enquanto, ainda ninguém chamava português à língua de Lisboa — mas um passo importante estava dado: a cidade fazia agora parte do Reino de Portugal.
A história continua…
Referências
O artigo foi escrito com base na bibliografia nesta página,
em especial: a história da linguagem (Everett 2017; Janson 2018), o
proto-indo-europeu (Anthony 2007; Pereltsvaig 2015), a inscrição fenícia
em Lisboa (Neto et al. 2016), o latim no Império e na Idade Média
(Alkire & Rosen 2010; Gabriele & Perry 2021; Ostler 2007), as
línguas dos cruzados (Pereltsvaig 2021), as línguas ibéricas (Janson
2018) e a história do português (Cardeira 2006; Faraco 2019; Teyssier
1982; Venâncio 2019, entre outros).
A segunda parte será publicada em breve:
o português ganha nome, o castelhano ouve-se por toda a cidade, há
idiomas longínquos que vêm nos porões dos navios, o terramoto conta-se
em várias línguas, há um invasor que fala francês e uma rainha que chega
à cidade a pensar em alemão