Ciclones / Furacões são tempestades tropicais de núcleo quente, com ventos contínuos a partir de 110 km/h podendo chegar a mais de 294 km/h. A formação dos furacões está ligada ao aquecimento dos oceanos nas regiões tropicais e ao movimento de Coriolis.
Danielle, Earl, Fiona e agora Ian. No espaço de apenas um mês, o Atlântico foi atingido por quatro furacões, depois de ter registado o seu primeiro verão em 25 anos sem qualquer fenómeno deste género. Os dados do Centro Nacional de Furacões dos Estados Unidos (NCH, na sigla original), que monitoriza estes acontecimentos, e que são seguidos pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera, mostram que o ano de 2022 está a ter muito menos tempestades do que os anos anteriores. O problema é que, quando chegarem - como esta quinta-feira, com o Ian nos Estados Unidos - serão mais fortes.
Precisamente a 29 de setembro do ano passado, começou a formar-se a tempestade tropical Victor, a 19.ª tempestade de 2021. No mesmo período de 2022 houve apenas 9 tempestades, e isto já contando com o furacão Ian, que já entrou na costa este dos Estados Unidos, depois de ter deixado um rasto de destruição em Cuba.
Uma tendência que se vem acentuando. É que em 2020 houve 31 tempestades – até foi necessário recorrer ao alfabeto grego para lhes dar nome -, enquanto 2021 se ficou pelas 20. Se as tempestades são em menor número, não o são em intensidade. A tempestade Danielle, que foi o primeiro fenómeno classificado como furacão no Atlântico este ano, e que chegou a Portugal como ciclone, provocou vários danos. Já no Canadá, a passagem do furacão Fiona deixou um cenário de “devastação total”, como disse um dos autarcas do país, naquilo que o governo classificou de “evento climático extremo”.
Carlos da Câmara diz que este cenário será um efeito provável das alterações climáticas. O climatologista explica à CNN Portugal que há três fatores relacionados com o aquecimento global e as tempestades: vão aumentar a intensidade, vão trazer mais água e vão mover-se mais lentamente.
O especialista afirma que é isso que está a acontecer, e que por isso se esperam fenómenos do género com mais intensidade no futuro. A principal causa, aponta, é o aquecimento dos oceanos, com o Atlântico a não ser exceção: "É preciso perceber que a energia de um furacão vem do movimento do ar. É preciso ser alimentado por qualquer coisa, e essa coisa é o vapor de água que condensa". O mesmo é dizer que águas mais quentes transportam mais energia, o que vai originar maior movimento de tempestades.
No fundo, compara Carlos da Câmara , é como uma panela de água a ferver: para entrar em ebulição precisa de muita energia, precisa do calor. Quando passa do estado líquido ao gasoso vai armazenando energia, que é libertada quando se dá o processo oposto, o que na atmosfera significa precipitação, neste caso em grandes quantidades.
"A energia dos furacões vem da passagem ao estado líquido, é como se fosse a gasolina do furacão, o que lhe dá movimento", sublinha, reforçando que "quando tenho águas mais quentes tenho mais vapor de água, e sabemos que com as alterações climáticas temos a temperatura dos oceanos mais quente em alguns graus".
O também professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa foca um dos fatores em concreto: a deslocação mais lenta das tempestades. Embora a Ciência ainda não tenha identificado uma razão concreta que leve estes sistemas a moverem-se mais devagar, é certo que isso vai acontecer com cada vez mais frequência, e com consequências desastrosas.
"Sabemos que estão a andar mais devagar, o que é um problema tremendo", diz Carlos da Câmara, explicando que "quando uma tempestade anda depressa, larga muita chuva, mas depressa".
Neste novo cenário, com tempestades a andarem mais devagar, vão ser fenómenos "mais destrutivos": "têm uma carga de água brutal que vai afetar a mesma zona muito tempo", o que pode levar a inundações e outros desastres naturais.
Furacões mais para norte, uma nova realidade
O furacão Fiona chegou até à Terra Nova, bem a norte do Atlântico, um fenómeno raro, mas que é explicado precisamente pelas temperaturas da água, que estão a aumentar. O mesmo aconteceu com a tempestade Danielle, que se formou mil quilómetros acima daquilo que seria previsível: começou ao largo dos Açores, quando o normal seria formar-se perto de Cabo Verde.
Trata-se de mais uma consequência das alterações climáticas, e que não tem impacto apenas nos ventos: os grandes mecanismos e sistemas climáticos estão a deslocar-se, a pouco e pouco, para norte. É por isso que há muito que se diz que Portugal vai ficar com um clima semelhante ao que Marrocos tem hoje.
"As alterações climáticas estão a fazer com que todas as caraterísticas da atmosfera sejam puxadas para norte, incluindo a temperatura dos oceanos. Existem outros fatores, mas estes grandes mecanismos são claramente afetados", afirma Carlos da Câmara, que, quando fala em "outros fatores", ressalva que vão continuar a existir verões e invernos considerados normais, mas que esse cenário vai deixar de ser tão frequente.
Tudo isto porque a Terra está à procura de um "equilíbrio", uma forma de lidar com as consequências do aquecimento da sua superfície. Carlos da Câmara faz uma comparação que ajuda a ilustrar a situação: "Nós ajustamo-nos ao calor suando. Na República Dominicana suamos mais do que no Canadá no inverno".
"Os gases com efeito de estufa retêm parte da energia infravermelha que deviam ir para o espaço. Como não acontece tanto, a Terra, à procura do equilíbrio, aumenta a temperatura. A Natureza está em busca do seu equilíbrio, só que agora vai ser um equilíbrio diferente. Estes furacões mais a norte são todos os mecanismos que a atmosfera inventa para se reajustar", conclui o climatologista.
Ora, o que a Terra está a fazer é o mesmo: está a suar, a libertar a energia acumulada em forma de calor. E muitas vezes essa libertação dá-se na forma de grandes tempestades.
Realidade a contradizer as previsões
E a menor ocorrência de tempestades acontece num ano em que as previsões até apontavam para 65% de probabilidades de a atividade ser mais intensa na região, algo que a realidade ainda não confirmou, mesmo tendo em conta que o mês de setembro teve seis dos nove eventos, sendo quatro deles furacões.
Um sinal de que as previsões poderiam não bater certo para este ano foi detetado ainda antes da chamada temporada de furacões, que decorre entre 1 de junho e 30 de novembro: desde 2014 que não havia um ano sem uma tempestade registada antes do início dessa mesma temporada. Apesar disso, e mesmo que os primeiros fenómenos se tenham registado apenas em agosto, aos quais se somam os de setembro, o NCH ainda prevê com uma probabilidade de 60% uma temporada acima do normal. Caso isso venha mesmo a acontecer, significa que teremos um final do ano tempestuoso no Atlântico.
Uma das razões das previsões era o fenómeno La Niña, que ocorre pelo terceiro ano consecutivo, e que se caracteriza por propiciar a formação de tempestades, uma vez que provoca um "arrefecimento das águas superficiais", produzindo "fortes mudanças na dinâmica geral da atmosfera", como refere o Instituto Português do Mar e da Atmosfera. A ajudar estariam mais dois fatores: um aumento da temperatura das águas, o que funciona como um combustível para a formação de tempestades, e uma maior atividade de ventos vindos de África, que costumam originar mudanças de clima no Atlântico.
Apesar disso, a temporada está a ser menos agressiva. O porta-voz da Agência Estatal de Meteorologia de Espanha refere ao El País que acabaram por se verificar "circunstâncias especiais" que levaram a que a atividade baixasse. Rubén Del Campo refere-se a "dois fatores imprevistos": a persistência de um cavado, uma área de baixas pressões com ar frio, nos trópicos, que trouxe ventos secos e com pó do Saara; e uma circulação atmosférica "muito anómala", que acabou por causar um bloqueio anticiclónico que afetou a Europa Ocidental.