O engenheiro de minas que tinha uma biblioteca secreta em casa com 70 mil livros
Strahov Monastery Library (Praga), George Peabody Library (EUA), a Biblioteca General Histórica da Universidade de Salamanca e até a do Palácio de Mafra. Quando se trata de bibliotecas, há construções realmente impressionantes por esse mundo fora — mas apostamos que poucos terão uma secreta em casa. Se juntarmos à equação mais de 70 mil obras enfiadas (literalmente) nas paredes, a probabilidade é ainda menor. Bruno Schröder, porém, era a exceção à regra.
Schröder foi engenheiro de minas grande parte da sua vida, mas foi nos tempos livros que construiu aquela que viria a tornar-se uma das maiores bibliotecas privadas da Alemanha. Sim, é verdade. Quando Bruno saía do trabalho, dedicava-se inteiramente à leitura. Ou melhor, à coleção de livros, porque seria humanamente impossível conseguir ler todos os que tinha em casa.
Mesmo que o colecionador tivesse lido uma obra completa todos os dias da sua vida adulta, no total, só teria conseguido ler um terço da sua coleção. Sem esquecer que a logística deve ter ocupado a maior parte do seu tempo livre — da a escolha e encomenda dos livros ao desenho e construção das estantes, sem falar na necessidade de reforçar a estrutura da casa para fazer face à acumulação de 30 toneladas.
O passatempo do engenheiro não era segredo para quem o conhecia, mas poucos sabiam que a seleção chegava aos 70 mil livros — e que teve de construir estruturas pensadas ao detalhe para os conseguir guardar. Em Mettingen, uma pequena cidade alemã no distrito de Steinfurt (a 400 quilómetros de Berlim), numa vivenda de quatro andares, passou semanas após semanas a construir uma biblioteca secreta.
Os anos foram passando e, quase sem se aperceber, guardou milhares de títulos. Não restou uma única parede livre em casa (nem mesmo na casa de banho). Nas estantes feitas à medida pelo próprio — na sua oficina subterrânea, a única divisão não dominada por livros — só se viam lombadas de várias cores, de títulos arquivados meticulosamente. Nem o forro do telhado foi poupado. As vigas do sótão transformaram-se em estantes que desafiam a gravidade. É como se fosse a casa de “Hansel e Gretel”, mas com livros, ou como a história de “Alice no País das Maravilhas”: por fora é uma casa modesta, mas por dentro é o paraíso dos bibliófilos.
Não pense, porém, que se trata de uma história de um velho solitário escondido entre pilhas de livros com capas empoeiradas e mordiscadas por roedores. Segundo relatos daqueles que o conheciam, apesar de ser reservado, Schröder era alegremente educado com os vizinhos. Era casado e tinha mesmo uma vida despretensiosa que tinha tudo para ser banal — não fosse, claro, o segredo, que só foi descoberto em junho de 2022, quando morreu, aos 88 anos.
Não se sabe ao certo se Schröder estava determinado a abranger todo o conhecimento e beleza contidos nos milhares de volumes da sua biblioteca, se era um estudioso ou um louco, já que nunca comentava as leituras com ninguém. A única coisa que resta como testemunho da sua paixão desenfreada são aqueles 70 mil volumes.
Embora o número seja absurdo — o que poderá sugerir, no mínimo, um elevado grau de excentricidade pessoal —, o hábito de Bruno estava longe de ser um exercício de acumulação aleatória. As prateleiras acolhiam grandes obras de literatura, poesia e filosofia. Ainda que variassem amplamente entre os géneros, a maior parte do sótão era dedicada a cerca de 10 mil thrillers policiais.
As encomendas semanais do colecionador — que, por vezes, chegavam aos 30 livros — eram entregues à porta por Silke Meyer, que dirige a livraria Bücherwurm de Mettingen. “Foi o nosso melhor cliente regular por muitos anos”, lembrou após sua morte. “Os livros eram muito importantes para ele e era por isso que os guardava como um tesouro.”
A pergunta que todos fazem é uma: “porquê continuar a acumular obras, mesmo sem poder lê-las?” Há quem diga que o hobby foi motivado pelo facto de ter passado uma parte significativa da sua vida profissional rodeado por perfurações constantes em espaços fechados, outros afirmam que seria pela necessidade de uma sensação de controlo. A resposta, porém, foi levada por Schröder para o túmulo.
Ainda assim, não restam dúvidas de que o engenheiro de minas tinha uma verdadeira paixão pelo passatempo. Os livros foram cuidadosamente registados num banco de dados, eram arquivados nas prateleiras de acordo com o editor e as aquisições foram todas planeadas. Quando morreu, alguns documentos mostraram que estaria em processo para adicionar as obras de PG Wodehouse às suas prateleiras.
Segundo o site Bookstr as edições de que mais gostava ficavam em vitrinas. A única pessoa que sabia de tudo isto era a mulher, que vive agora num lar. Sem filhos ou herdeiros, a propriedade acabou por ser entregue a uma administradora. Entretanto, a coleção esteve à venda e chegou a ter um comprador que ofereceu sete mil euros por ela — ou seja, dez cêntimos por cada unidade. No entanto, o interessado acabou por desistir do negócio. Sem saber se a seleção continua ou não dentro da casa, não é certo o que será feito dos livros.