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19.6.23

Portugal acolhe crias de lince após atropelamento da mãe em Espanha.

 


Duas crias de lince-ibérico nascidas na natureza em Castela-la Mancha, Espanha, ficaram órfãs devido ao atropelamento da sua mãe a 17 de Maio passado. O Centro Nacional de Reprodução do Lince-ibérico (CNRLI), em Silves, acolheu-as a 1 de Junho para as recuperar e devolver à natureza, foi hoje revelado.

A mãe destas crias foi encontrada atropelada a 17 de Maio numa estrada municipal em Montes de Toledo, em Castela La Mancha.

“Nesse mesmo dia, as autoridades regionais espanholas montaram um dispositivo especial para a localização da ninhada”, dado que havia provas de que esta fêmea tinha dado à luz nesta Primavera, segundo um comunicado do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).

“Foi possível localizar e capturar as duas crias de lince-ibérico, com cerca de 50 dias, nos dias 17 e 18 de Maio”.

Em Castela-La Mancha viviam no ano passado 585 linces-ibéricos, dos quais 114 fêmeas reprodutoras. É a região da Península Ibérica com o segundo maior número de linces, atrás da Andaluzia, com um total de 1.407 linces, de acordo com o Censo de 2022.

Inicialmente, as crias foram levadas para um centro de recuperação de referência para a espécie, em Ciudad Real, Castela-La Mancha. Aí foi feito o check-up e a recolha de amostras para determinar o seu estado de saúde.

Depois foi articulada a transferência dos linces para Portugal.

“Integrado na rede ibérica do programa de reprodução em cativeiro, o Centro de Reprodução português, gerido pelo ICNF, é o que dispõe de melhores condições para acolher, recuperar e treinar exemplares de lince-ibérico nestas condições, com um complexo de treino cofinanciado pelo Fundo de Coesão – POSEUR 2020 e pelo Fundo Ambiental, projetado e construído para responder a casos como este”, acrescenta o ICNF.

Em Silves, “as crias estão a ter cuidados e treino, para as tornar aptas a obter alimento na natureza e permitir a sua futura libertação no território de origem”.

A população residente do CNRLI – que faz parte de uma rede ibérica de cinco centros de reprodução em cativeiro (Silves, El Acebuche, La Olivilla, Granadilla e Zoo de Jerez) – conta hoje com 20 linces adultos e oito crias.

Nesta Primavera nasceram no CNRLI seis machos e duas fêmeas.

O grande objectivo da reprodução em cativeiro é conseguir crias saudáveis, treiná-las para a liberdade e, meses depois, soltá-las na natureza, para que novas populações de linces voltem aos territórios de onde se extinguiram há décadas.

No século XIX, a população mundial da espécie seria de cerca de 100.000 animais, distribuídos por Portugal e Espanha. Mas o lince-ibérico chegou ao início do século XXI reduzido a menos de 100 exemplares. Em Portugal, a espécie vivia, então, numa situação de “pré-extinção”. 

O declínio pode ser explicado pelo colapso das populações de coelho-bravo, a principal presa do lince, especialmente por causa de duas doenças: a mixomatose (nos anos 50) e a febre hemorrágica viral (nos anos 80). Ao quase desaparecimento do coelho-bravo junta-se a caça indiscriminada e a perda de habitat pelas campanhas agrícolas e de reflorestação com eucalipto e pinheiro-manso, que destruíram os matagais mediterrânicos desde a primeira metade do século XX.

Graças aos esforços conservacionistas de Portugal e Espanha, tanto a nível da reprodução em cativeiro como na recuperação de habitats e reforço e ligação das populações selvagens, a espécie está a regressar aos seus territórios históricos.

A 19 de Maio passado soube-se que existem 1.668 linces-ibéricos no mundo, segundo os dados do mais recente censo à espécie. O Vale do Guadiana é o terceiro núcleo populacional mais importante.

 

 

 

 

 

É no silêncio e na calma do Vale de Fuzeiros, em Silves, que agora vivem duas crias de lince-ibérico cuja mãe, Peziza, morreu atropelada em Castela-La Mancha, Espanha, em Maio passado.

Uma das crias no momento em que foram encontradas na natureza. Foto: Junta de Castela – La Mancha

Peziza foi encontrada atropelada numa estrada municipal em Montes de Toledo, em Castela La Mancha, a 17 de Maio. “Nesse mesmo dia, as autoridades regionais espanholas montaram um dispositivo especial para a localização da ninhada”, dado que havia provas de que esta fêmea tinha dado à luz nesta Primavera, segundo um comunicado do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). 

“Foi possível localizar e capturar as duas crias de lince-ibérico, com cerca de 50 dias, nos dias 17 e 18 de Maio”.

Peziza atropelada. Foto: Junta de Castela – La Mancha

São dois machos com cerca de dois meses de idade. E chegaram a 1 de Junho ao CNRLI.

Rodrigo Serra, director do Centro, explicou que o plano para estes dois linces será continuar a ensiná-los a caçar e devolvê-los “ao meio natural, capazes e com elevadas hipóteses de sobrevivência”. 

Para já os dois irmãos estão no Complexo de Treino e Recuperação de Lince Ibérico (CTRLI), estrutura construída junto ao Centro de Reprodução. Estas três instalações com 90 metros quadrados e com acessos independentes permitem ao Centro trabalhar para dois objectivos com necessidades diferentes: a reprodução de linces e o treino e/ou recuperação de animais para a liberdade. Em breve terão também uma clínica equipada associada e independente do CNRLI, essencial para recuperar linces e o passo final nesta estratégia, considerou o responsável. 

As duas crias que vieram de Castela-La Mancha estão em quarentena desde que chegaram. “Existe o perigo de contágio com doenças infecciosas que tragam do campo e que ponham em risco o ‘tesouro’ genético que mantemos no CNRLI (ou em qualquer outro centro de cria do Programa Ex Situ na verdade)”, explicou o responsável.

Uma das crias no momento em que foram encontradas na natureza. Foto: Junta de Castela – La Mancha

Neste momento apenas estas duas crias nas instalações de recuperação.

Além disso, não contactam com tratadores ou veterinários para evitar que se habituem a humanos.

Quando chegaram ao Centro, apesar de terem cerca de 50 dias, estas crias foram logo postas à prova. “Foi-lhes fornecido coelho vivo para saber em que ponto estavam no que diz respeito a treino de caça”, contou Rodrigo Serra.

“A verdade é que já caçam, e bem. Por isso, o nosso trabalho ficou mais simples. Temos de mantê-las separadas dos outros linces do CNRLI e sem contacto com humanos, temos de as manter alimentadas e prontas a caçar fornecendo presa viva. Depois da quarentena poderemos passá-las à parte de treino do CTRLI, em que aumentaremos gradualmente a dificuldade na caça. Poderemos também uni-las a um(a) lince adulto(a) depois da quarentena para poderem ter um maior treino social. Veremos se é necessário.”

Os dois irmãos estão “totalmente adaptados ao CTRLI e têm um comportamento normal, divertido, eficaz na caça e socialmente rico porque são duas e estão sempre na brincadeira”.

Desafios acrescidos

Estas duas crias nasceram na natureza em Montes de Toledo, Castela-La Mancha. O que traz desafios acrescidos à equipa do Centro.

Uma das crias no momento em que foram encontradas na natureza. Foto: Junta de Castela – La Mancha

“À partida, o facto de serem linces que nasceram fora do Programa Ex Situ traz logo o problema da quarentena, da possibilidade de trazerem doenças do campo (sabemos que elas circulam) para a população de cativeiro (onde não as temos)”, explicou o director do CNRLI.

“O facto de serem órfãs é muito importante. Caso sejam animais que não saibam caçar, a dificuldade aumenta muito porque temos de as ensinar a fazê-lo ou depois da quarentena introduzi-las a uma lince que esteja disponível para as ensinar (como Biznaga fez com as duas filhas que abandonou mas depois adoptou). Se tiverem menos de um mês de vida a tarefa fica praticamente impossível – linces criados a biberão vão achar que são pessoas, dificilmente se recuperam para a reprodução, menos ainda para a reintrodução. E se a genética não é valiosa, ocuparão espaço, esse sim valioso, em cativeiro sem contribuir nada para a espécie. São desafios gigantescos – biossegurança, comportamento, viabilidade para a conservação da espécie e bem-estar – um lince que acha que é pessoa não está em boas condições de bem-estar, digam o que disserem. Sofre a vida toda.”

Neste momento, a expectativa da equipa do CNRLI para estes dois animais “é alta”. Isto tendo em conta que “estão bem de saúde, já caçam e não precisam de assistência de humanos”.

Momento da recuperação das crias no campo. Vídeo: Junta de Castela-La Mancha

Pela frente, ainda falta passar o resto da quarentena, mais cerca de 10 dias, e prosseguir o treino de caça. “Estamos otimistas mas ainda falta.”

Quanto à data de reintrodução, ainda não se sabe. “É preciso vencer algumas etapas até que essa questão se ponha. Ao limite, diria talvez Fevereiro / Março de 2024, quem sabe até antes. Será quando tiver de ser. Queremos é que voltem ao meio natural capazes e com elevadas hipóteses de sobrevivência.” 

O lince-ibérico (Lynx pardinus) é uma espécie Em Perigo de extinção. Mas graças aos esforços conservacionistas de Portugal e Espanha – tanto a nível da reprodução em cativeiro como na recuperação de habitats e reforço e ligação das populações selvagens – a espécie está a regressar aos seus territórios históricos.

A 19 de Maio passado soube-se que existem 1.668 linces-ibéricos no mundo, segundo os dados do mais recente censo à espécie.