| A VIDA ( Foto de J.P.L. ) |
Quer queiramos quer não, temos de preenchê-la por nossa conta: isso é, temos de ocupá-la, de um ou de outro modo.
Por isso, a substância de cada vida reside nas suas ocupações.
Ao animal não somente lhe é dada a sua vida, mas também o reportório invariável da sua conduta.
Sem a sua intervenção, os instintos dão-lhe já decidido o que vai fazer e evitar.
Por isso, não pode dizer-se do animal que se ocupa nisto ou naquilo.
A sua vida não esteve nunca vazia, indeterminada.
Mas o homem é um animal que perdeu o sistema dos seus instintos, ou, o que é igual deles conserva só resíduos e cotos incapazes de lhe impor um plano de comportamento.
Ao encontrar-se existindo, encontra-se perante um pavoroso vazio. Não sabe o que fazer; tem ele mesmo que inventar os seus afazeres ou ocupações.
Se contasse com um tempo infinito diante de si, não importaria grandemente: poderia ir fazendo o que lhe ocorresse, experimentando, uma após outra, as ocupações imagináveis.
Mas aí está!
a vida é breve e urgente; consiste sobretudo em pressa, e não há outro remédio senão escolher um programa de existência, com exclusão dos restantes; renunciar a ser uma coisa para poder ser outra; em suma, preferir uma ocupação às restantes.
O facto mesmo de que as nossas línguas empreguem a palavra « ocupação » nesse sentido revela que os homens viram desde há muito, talvez desde o princípio, a vida como um « espaço » de tempo que os nossos actos vão enchendo, incompenetráveis uns com os outros,tal como os corpos.
Com a vida, é claro, é-nos imposta uma longa série de necessidades a que não é possível fugir, que temos de enfrentar sob pena de sucumbir.
Mas não nos foram impostos os meios e modos de satisfazê-las, de sorte que também nesta ordem do inevitável temos que inventar - cada um por si ou aprendendo-o em usos e tradições - o reportório das nossas acções. ( 1 )
(1 ) José Ortega Y Gasset.
" Sobre a Caça e os Touros "
1989 Edições Cotovia, ldª