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24.11.23

JOSÉ RODRIGUES DOS SANTOS e o seu O SEGREDO DE ESPINOSA

 

"Quando sai um livro meu, há famílias em que todos o compram e debatem"

O mais recente livro de José Rodrigues dos Santos, intitulado 'O Segredo de Espinosa', procura reforçar a importância de Bento de Espinosa, o "maior filósofo da nossa história", na sociedade que hoje temos.

"Quando sai um livro meu, há famílias em que todos o compram e debatem"
Notícias ao Minuto

24/11/23 09:30 ‧ Há 7 Horas por Filipe Carmo

Fama José Rodrigues dos Santos

Para José Rodrigues dos Santos, a arte de escrever livros está cronometrada. Em outubro, todos os seus leitores aguardam pelo lançamento de um novo romance, o que acontece há já vários anos. Por norma, seguem todos o mesmo caminho: depois de publicados, tornam-se best-sellers.

Foi esse desconhecimento injustificado que levou José Rodrigues dos Santos a focar-se no percurso deste filósofo de origem judaico-portuguesa, que nasceu nos Países Baixos e era filho de refugiados portugueses na Sinagoga Portuguesa de Amesterdão. Após a sua morte, a 21 de fevereiro de 1677, Espinosa foi remetido ao esquecimento no nosso país, o que o pivô da RTP assume não compreender.

Para José Rodrigues dos Santos, o ano de 2023 também fica inevitavelmente marcado pela estreia da série 'Codex 632', inspirada no livro homónimo da sua autoria que teve a sua primeira edição em 2005. Ficou a produção da estação pública a par do que o jornalista esperava? Foi isso que também procurámos saber nesta conversa.

'O Segredo de Espinosa', segundo nos diz, fala-nos do maior filósofo português da História. Por que motivo considera que Bento de Espinosa foi, de facto, o maior filósofo que Portugal já conheceu?

O Espinosa é autor de grandes revelações que mudaram a nossa sociedade e que criaram aquilo a que chamamos Ocidente, ou as democracias liberais. Ele criou o nosso mundo, digamos assim. Além disso, ele era português, um português que Portugal rejeita, o que é estranhíssimo. Então ele é o maior filósofo da nossa História, o maior intelectual português de sempre, e nós não o reconhecemos? Temos pontes e aeroportos dedicados a políticos e não sei quê, e então o nosso maior filósofo, como o homenageamos? Se formos aos Países Baixos, há estátuas de Espinosa em todo o lado, as escolas dedicam-lhe semanas culturais, o edifício do governo, digamos que é o Palácio de São Bento em Haia, tem esculpidas na fachada as 22 frases de Espinosa, de tal modo eles homenageiam este grande filósofo português. Achei que era a altura de recuperar o conhecimento para Portugal desse que foi o seu maior intelectual de sempre e que, por razões misteriosas, decidimos - e estamos empenhados - em esquecer.

Na sua opinião, a razão é de facto misteriosa ou há um motivo mais profundo que ajuda a justificar o facto de o remetermos, enquanto sociedade, para o esquecimento?

Não sei, sinceramente, presumo que seja ignorância pura e simples. Antes de o livro ser publicado, as pessoas perguntavam-me, como fazem sempre por essa altura, qual seria o tema do meu próximo romance e eu disse-lhes: 'não posso revelar ainda, mas o que posso dizer é que é a história do maior filósofo português'. Todos me disseram ‘é o padre António Vieira' ou 'é o Agostinho da Silva'. Só a reitora da Universidade Católica é que me disse 'então é o Bento de Espinosa'.

Quando, no fim, revelei que o Espinosa era português, houve muita gente, até figuras públicas, que disseram que eu estava a brincar. Ele era português, o pai era da Vidigueira e a mãe era de Ponte de Lima ou Porto, não há certeza. As pessoas não sabem que ele falava português, que pensava em português...

Há um ataque das ditaduras à democracia liberal, um ataque ao mundo de Espinosa.De que forma teve acesso à informação de que precisava?

Li toda a obra de Espinosa, duas biografias feitas por contemporâneos seus, que têm muita informação, li cartas que ele trocou com amigos.. Essencialmente foi assim que tive acesso à vida e ao pensamento dele.

O lançamento deste livro nesta altura também está, de alguma forma, relacionado com o facto de estarmos a testemunhar dois conflitos mundiais?

Como já disse, o Bento de Espinosa criou as democracias liberais. Estamos com duas guerras, uma Ucrânia e outra entre Israel e o Hamas, e no caso da guerra na Ucrânia, não é uma simples guerra entre dois países, é uma guerra entre as ditaduras e o Ocidente. A guerra entre Israel e o Hamas é uma guerra entre o conceito de ditaduras porque o Hamas não representa as democracias, atenção. Estamos a falar de conflitos que têm naturezas diferentes mas, olhando para a História, nós constatamos que estamos numa situação muito semelhante à de 1939, quando o pacto nazi-comunista, entre Hitler e Estaline, abriu caminho à guerra.

Os conflitos entre Ucrânia e Rússia e o de Israel com o Hamas têm naturezas completamente diferentes, mas o facto de ocorrem ao mesmo tempo, agora, não é uma coincidência. Há um ataque das ditaduras à democracia liberal, um ataque ao mundo de Espinosa.

Notícias ao Minuto
© Editora Planeta - Divulgação  

O José defende que os romances também podem ser complexos e esse é um dado que os seus leitores já sabem à priori, antes mesmo de comprarem os livros que escreve. Numa altura em que os portugueses leem cada vez menos, não considera curioso que continue a ser um dos autores mais lidos do país e, ao mesmo tempo, alguém que faz questão de escrever livros com tanta informação histórica e que façam refletir?

É óbvio que a literatura pode servir para várias funções, mas, para mim, a função mais nobre da literatura é fazer-nos refletir sobre as coisas, por isso é que os meus romances são reflexões e abordam todas as áreas do conhecimento, desde a física à biologia, à etimologia, inteligência artificial, economia, política, filosofia , história... Há muitas famílias que me dizem que, quando sai um livro meu, todos o compram e leem e que, no final, debatem sobre as ideias do livro. Isso acontece.

Há também o problema de termos uma cultura de que o escritor que é lido não é escritor

O que acha que poderia ajudar a combater a diminuição da taxa de leitura no nosso país?

Em Portugal, não existe uma estratégia para incentivar a leitura. No confinamento, enquanto nos outros países a leitura aumentou, em Portugal diminuiu. Chegámos ao ridículo de o Governo decretar que se pusessem vedações nos supermercados para impedir as pessoas de comprarem livros, o que é uma coisa absolutamente obscurantista e que, extraordinariamente, não levantou protestos de ninguém. Há também o problema de termos uma cultura de que o escritor que é lido não é escritor. Este preconceito instalou-se e faz com que se encoraje os escritores a escreverem livros que as pessoas não conseguem ler. Aqueles que se proclamam grandes defensores dos direitos do povo, são os primeiros a exigir uma literatura a que o povo não consegue aceder, são contra a democratização da leitura. Também é preciso sublinhar que, com o empobrecimento do país, as pessoas leem menos, os números estão aí para o demonstrar.

Não posso deixar de abordar o 'Codex 632', que ganhou um novo destaque com o lançamento da série da RTP. Acredita que, de certa forma, se fez renascer este livro e que o mesmo possa até ter ganhado uma nova vida?

Não sei... o 'Codex 632' é um livro que continua a vender. Não se vende como se vendia no início, porque já vendeu mais de 200 mil exemplares e muita gente já o tem, mas é um livro que vai saindo, aqui e no estrangeiro, atenção. Se tem uma segunda vida? Sim, através da televisão. O livro em si não sei, caberá às pessoas, se tiverem interesse em recuperá-lo... ele permanece atual, estranhamente, ao fim de tanto tempo.

Acho que é uma série americana falada em português, tem o nível de uma série americana

De que forma acompanhou o processo de criação da série? Fez parte da escrita do argumento, por exemplo?

Dei o apoio para a elaboração do guião. Eu não era o guionista, mas dei o apoio, ajudei nas várias áreas que eram necessárias para garantir que a aventura do Tomás na série fosse a mesma aventura do Tomás no livro, o que acho que foi muito bem conseguido.

Está satisfeito com o resultado final? Foi desta forma que imaginou a história a ser contada?

Sim, está muito acima das minhas expetativas em relação a um projeto desta dimensão. Foi muito bem conseguido, a todos os níveis. Quem olha para a série, ao nível do guião, realização, interpretação, música e montagem, vê o que é necessário para que seja considerada uma boa série. Acho que é uma série americana falada em português, tem o nível de uma série americana.

Notícias ao Minuto José Rodrigues dos Santos com Paulo Pires, protagonista da série 'Codex 632', no evento de apresentação da coprodução da RTP e Globoplay© RTP