"Quando sai um livro meu, há famílias em que todos o compram e debatem"
O mais recente
livro de José Rodrigues dos Santos, intitulado 'O Segredo de Espinosa',
procura reforçar a importância de Bento de Espinosa, o "maior filósofo
da nossa história", na sociedade que hoje temos.
© Orlando Almeida / Global Imagens
Para José Rodrigues dos
Santos, a arte de escrever livros está cronometrada. Em outubro, todos
os seus leitores aguardam pelo lançamento de um novo romance, o que
acontece há já vários anos. Por norma, seguem todos o mesmo caminho:
depois de publicados, tornam-se best-sellers.
Em 2023, a aposta é em 'O Segredo de Espinosa'. "É sobre o maior
filósofo da nossa história", vincou convictamente José Rodrigues dos
Santos, durante uma entrevista ao Fama ao Minuto, embora também ele reconheça que Portugal não vê Bento de Espinosa dessa forma.
Foi esse desconhecimento injustificado que levou José
Rodrigues dos Santos a focar-se no percurso deste filósofo de origem
judaico-portuguesa, que nasceu nos Países Baixos e era filho de
refugiados portugueses na Sinagoga Portuguesa de Amesterdão. Após a sua
morte, a 21 de fevereiro de 1677, Espinosa foi remetido ao esquecimento
no nosso país, o que o pivô da RTP assume não compreender.
Para José Rodrigues dos Santos, o ano de 2023 também fica
inevitavelmente marcado pela estreia da série 'Codex 632', inspirada no
livro homónimo da sua autoria que teve a sua primeira edição em 2005.
Ficou a produção da estação pública a par do que o jornalista esperava?
Foi isso que também procurámos saber nesta conversa.
'O Segredo de Espinosa', segundo nos diz,
fala-nos do maior filósofo português da História. Por que motivo
considera que Bento de Espinosa foi, de facto, o maior filósofo que
Portugal já conheceu?
O Espinosa é autor de grandes revelações que mudaram a nossa
sociedade e que criaram aquilo a que chamamos Ocidente, ou as
democracias liberais. Ele criou o nosso mundo, digamos assim. Além
disso, ele era português, um português que Portugal rejeita, o que é
estranhíssimo. Então ele é o maior filósofo da nossa História, o maior
intelectual português de sempre, e nós não o reconhecemos? Temos pontes e
aeroportos dedicados a políticos e não sei quê, e então o nosso maior
filósofo, como o homenageamos? Se formos aos Países Baixos, há estátuas
de Espinosa em todo o lado, as escolas dedicam-lhe semanas culturais, o
edifício do governo, digamos que é o Palácio de São Bento em Haia, tem
esculpidas na fachada as 22 frases de Espinosa, de tal modo eles
homenageiam este grande filósofo português. Achei que era a altura de
recuperar o conhecimento para Portugal desse que foi o seu maior
intelectual de sempre e que, por razões misteriosas, decidimos - e
estamos empenhados - em esquecer.
Na sua opinião, a razão é de facto
misteriosa ou há um motivo mais profundo que ajuda a justificar o facto
de o remetermos, enquanto sociedade, para o esquecimento?
Não sei, sinceramente, presumo que seja ignorância pura e simples.
Antes de o livro ser publicado, as pessoas perguntavam-me, como fazem
sempre por essa altura, qual seria o tema do meu próximo romance e eu
disse-lhes: 'não posso revelar ainda, mas o que posso dizer é que é a
história do maior filósofo português'. Todos me disseram ‘é o padre
António Vieira' ou 'é o Agostinho da Silva'. Só a reitora da
Universidade Católica é que me disse 'então é o Bento de Espinosa'.
Quando, no fim, revelei que o Espinosa era português, houve muita
gente, até figuras públicas, que disseram que eu estava a brincar. Ele
era português, o pai era da Vidigueira e a mãe era de Ponte de Lima ou
Porto, não há certeza. As pessoas não sabem que ele falava português,
que pensava em português...
Há um ataque das ditaduras à democracia liberal, um ataque ao mundo de Espinosa.De que forma teve acesso à informação de que precisava?
Li toda a obra de Espinosa, duas biografias feitas por contemporâneos
seus, que têm muita informação, li cartas que ele trocou com amigos..
Essencialmente foi assim que tive acesso à vida e ao pensamento dele.
O lançamento deste livro nesta altura também
está, de alguma forma, relacionado com o facto de estarmos a testemunhar
dois conflitos mundiais?
Como já disse, o Bento de Espinosa criou as democracias liberais.
Estamos com duas guerras, uma Ucrânia e outra entre Israel e o Hamas, e
no caso da guerra na Ucrânia, não é uma simples guerra entre dois
países, é uma guerra entre as ditaduras e o Ocidente. A guerra entre
Israel e o Hamas é uma guerra entre o conceito de ditaduras porque o
Hamas não representa as democracias, atenção. Estamos a falar de
conflitos que têm naturezas diferentes mas, olhando para a História, nós
constatamos que estamos numa situação muito semelhante à de 1939,
quando o pacto nazi-comunista, entre Hitler e Estaline, abriu caminho à
guerra.
Os conflitos entre Ucrânia e Rússia e o de Israel com o Hamas têm
naturezas completamente diferentes, mas o facto de ocorrem ao mesmo
tempo, agora, não é uma coincidência. Há um ataque das ditaduras à
democracia liberal, um ataque ao mundo de Espinosa.
© Editora Planeta - Divulgação
O José defende que os romances também podem
ser complexos e esse é um dado que os seus leitores já sabem à priori,
antes mesmo de comprarem os livros que escreve. Numa altura em que os
portugueses leem cada vez menos, não considera curioso que continue a
ser um dos autores mais lidos do país e, ao mesmo tempo, alguém que faz
questão de escrever livros com tanta informação histórica e que façam
refletir?
É óbvio que a literatura pode servir para várias funções, mas, para
mim, a função mais nobre da literatura é fazer-nos refletir sobre as
coisas, por isso é que os meus romances são reflexões e abordam todas as
áreas do conhecimento, desde a física à biologia, à etimologia,
inteligência artificial, economia, política, filosofia , história... Há
muitas famílias que me dizem que, quando sai um livro meu, todos o
compram e leem e que, no final, debatem sobre as ideias do livro. Isso
acontece.
Há também o problema de termos uma cultura de que o escritor que é lido não é escritor
O que acha que poderia ajudar a combater a diminuição da taxa de leitura no nosso país?
Em Portugal, não existe uma estratégia para incentivar a leitura. No
confinamento, enquanto nos outros países a leitura aumentou, em Portugal
diminuiu. Chegámos ao ridículo de o Governo decretar que se pusessem
vedações nos supermercados para impedir as pessoas de comprarem livros, o
que é uma coisa absolutamente obscurantista e que, extraordinariamente,
não levantou protestos de ninguém. Há também o problema de termos uma
cultura de que o escritor que é lido não é escritor. Este preconceito
instalou-se e faz com que se encoraje os escritores a escreverem livros
que as pessoas não conseguem ler. Aqueles que se proclamam grandes
defensores dos direitos do povo, são os primeiros a exigir uma
literatura a que o povo não consegue aceder, são contra a democratização
da leitura. Também é preciso sublinhar que, com o empobrecimento do
país, as pessoas leem menos, os números estão aí para o demonstrar.
Não posso deixar de abordar o 'Codex 632',
que ganhou um novo destaque com o lançamento da série da RTP. Acredita
que, de certa forma, se fez renascer este livro e que o mesmo possa até
ter ganhado uma nova vida?
Não sei... o 'Codex 632' é um livro que continua a vender. Não se
vende como se vendia no início, porque já vendeu mais de 200 mil
exemplares e muita gente já o tem, mas é um livro que vai saindo, aqui e
no estrangeiro, atenção. Se tem uma segunda vida? Sim, através da
televisão. O livro em si não sei, caberá às pessoas, se tiverem
interesse em recuperá-lo... ele permanece atual, estranhamente, ao fim
de tanto tempo.
Acho que é uma série americana falada em português, tem o nível de uma série americana
De que forma acompanhou o processo de criação da série? Fez parte da escrita do argumento, por exemplo?
Dei o apoio para a elaboração do guião. Eu não era o guionista, mas
dei o apoio, ajudei nas várias áreas que eram necessárias para garantir
que a aventura do Tomás na série fosse a mesma aventura do Tomás no
livro, o que acho que foi muito bem conseguido.
Está satisfeito com o resultado final? Foi desta forma que imaginou a história a ser contada?
Sim, está muito acima das minhas expetativas em relação a um projeto
desta dimensão. Foi muito bem conseguido, a todos os níveis. Quem olha
para a série, ao nível do guião, realização, interpretação, música e
montagem, vê o que é necessário para que seja considerada uma boa série.
Acho que é uma série americana falada em português, tem o nível de uma
série americana.
José
Rodrigues dos Santos com Paulo Pires, protagonista da série 'Codex
632', no evento de apresentação da coprodução da RTP e Globoplay© RTP