Foi a Ordem dos Advogados surpreendida com a notícia de que esta terça-feira de manhã em Alfena, Valongo, A Autoridade Tributária (AT), em colaboração com a GNR, interceptava condutores, no âmbito de uma acção que visava a cobrança de dívidas fiscais.
Não pode a Ordem dos Advogados deixar passar em claro esta originalidade, entretanto – e muito bem – suspensa pelo Exmo. Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF).
Não sendo claros os contornos da operação, a mesma, de acordo com o relatado pela comunicação social (citando-se fonte da AT no local), visava “intercetar condutores com dívidas às Finanças, convidá-los a pagar e dar-lhes essa oportunidade de pagarem”.
Não o fazendo, “estamos em condições de penhorar as viaturas”. Para tanto, e de acordo com a mesma fonte: “O controlo dos devedores estava a ser feito através de um sistema informático, que estava montado em mesas em tendas colocadas na rotunda da Autoestrada 42 (A42), saída de Alfena, distrito do Porto. O sistema informático cruza dados através das matrículas das viaturas e compara-os com a existência de dívidas ao fisco.”
Esta iniciativa merece o mais firme repúdio por parte da Ordem dos Advogados.
Desde logo, e do ponto de vista do Direito, é evidente que não é permitido promover a penhora indiscriminada de bens de pessoas ou empresas que sejam devedoras de impostos. Com efeito, não é líquido nem certo que uma dívida fiscal seja efectiva apenas porque a AT entendeu lançá-la no sistema – a dívida pode estar ferida de erro ou ilegalidade, e o contribuinte tem de ver os seus direitos de defesa assegurados.
Acresce que a penhora de bens apenas pode ser realizada, de acordo com o Código do Procedimento e Processo Tributário, após regular citação do devedor executado e vencido o prazo de 30 dias (contados da citação) para o seu pagamento ou oposição.
Mais importante: repugna à Ordem dos Advogados a ideia de tratar um cidadão, eventualmente devedor de impostos, como se de um vulgar criminoso se tratasse, recorrendo indiscriminadamente às autoridades de polícia. Uma dívida fiscal é apenas isso – uma dívida, assunto para ser tratado pelos Serviços de Finanças e nos Tribunais- A sua cobrança não pode ser realizada sob a ameaça de, pela força, despojar sumariamente os cidadãos dos seus bens.
No caso, é particularmente repugnante o método seleccionado, pois a alternativa que restaria ao cidadão, não pagando ou não podendo pagar uma eventual dívida fiscal, seria ser submetido ao vexame de ficar privado do seu meio de transporte, em plena via pública!
Pagar impostos é um dever que a todos compete, e que deve ser cumprido voluntariamente. Mas seja por erro ou por ilegalidade, uma dívida fiscal pode não existir ou não ser válida. Num Estado de Direito Democrático, não deveria ser sequer possível considerar a utilização das forças da autoridade para coagir os cidadãos ao pagamento de algo que, eventualmente, nem sequer devem.
E que, ainda que devido, pode e deve ser saldado voluntariamente, no seu devido tempo e de acordo com a lei – nunca sob ameaça, ainda que velada, das forças de segurança.
Saúda-se, assim, a intervenção do Sr. SEAF no sentido de travar esta insólita iniciativa, que esperamos não mais se repita.
Guilherme Figueiredo
Bastonário
Lisboa, 28 de Maio 2019