Não é preciso ser-se muito velho, nem ter-se memória privilegiada, para se terem vivido os tempos em que os homens parece que se conheciam melhor a si próprios, ou para nos recordarmos de quando só tinham formação ideológica as pessoas com estofo cultural capaz de discernir pensamentos completos e de compreender e defender a ideia que abraçavam.
Esses tempos não vão ainda muito distantes e, por isso, a sua vivência, cabendo nos nossos dias, permite-nos poder concluir que a acentuada diferença que se nota, entre o que cada um era e o que cada qual diz hoje ser, para além do que seja consequência natural da efervescência política em que se tem vivido nos últimos decénios, será também fruto próprio de uma onda de vaidade que, a todo o custo, pretende esconder-se nos efeitos de uma evolução que, embora de aspecto geral, assim como não tem atingido tudo, também não pode ter contemplado todos.
Noutros tempos, parece que a modéstia era como que uma virtude que os indivíduos acariciavam, fazendo dela um ornamento que os impunha e aproveitando-a, em muitos casos, como elemento a classificar a sua personalidade.
Tinha-se mais a noção do lugar que se devia ocupar e as manifestações de bazófia rareavam na razão directa do maior número de pessoas que se limitavam a tomar sómente a posição que lhes correspondia.
A prudência era conselheira permanente e a reflexão dos pensamentos permitia mais cuidada análise do estofo da pessoa que pensava, para que soubesse bem até onde a sua capacidade, como homem doutrinado, lhe facultava chegar.
No entanto, nesses tempos, em que as doutrinas menos amadurecidas e com belezas que a novidade mais facilmente tornava inflamáveis ao contacto com as aspirações dos povos, houve mártires do ideal e supliciados em holocausto à expansão das suas ideias.
Não deixaram, todavia, de ter forte animação e
impulso objectivo as doutrinas que cada um professava, nem o valor das pessoas terá sido mais mal conhecido ou utilizado com menos propriedade do que hoje.
Havia, como agora, os mentores, os militantes, os pioneiros das ideias. Mas só homens que, por reconhecida inteligência e cultura, definiam as causas espalhando, com propaganda autorizada, as virtudes do ideal e fomentando a conquista de adeptos ou de admiradores.
Alinhados em fileira de franco apoio, formavam os que, menos apetrechados intelectualmente, constituíam o cortejo de fiéis adeptos, sem que o apreço que dispensavam às doutrinas por si proferidas os afastasse duma actuação comedida, como submissos soldados prontos a executar ordens recebidas.
Hoje, não é nada assim.
O arrojo é maior, os homens tem mais grata sede de triunfo e poucos são aqueles que se conformam com um lugar secundário na escala hierárquica dos valores que servem a mesma doutrina. Todos querem ser pioneiros, mandantes destacados e sabedores mais profundos.
Ninguém quer ser soldado carecido de instrução, nem ninguém se resigna com a situação de simples adepto, de uma causa que, para se lhe não deturparem as virtudes, só pelos mais preparados deve ser definida.
Hoje qualquer ignorante se arvora em pessoa de muito saber, dando eco a conceitos errados e fazendo depreciar doutrinas que só não serão boas se lhes faltarem os bons servidores.
Esquecem -se que, para servirmos bem, temos de ser sensatos e analisarmo-nos mais minuciosamente para sabermos até onde os nossos conhecimentos nos permitem ir, sem trairmos o que mais desejamos impor.
Ao serviço do que mais sinceramente sentimos, devemos procurar sempre pôr a noção do que valemos e vincar, nas nossas acções, a essência dos nossos pensamentos.
Se assim não fizermos, temos de continuar a acreditar que a mentalidade dos homens nem sempre está de harmonia com a doutrina que dizem professar e que todo aquele que julga poder avaliar os méritos de qualquer ideal pelos arrojos detractores dos que se erguem, imerecidamente, à altura de mentores, saiba que homens e doutrinas são coisas diferentes, e que aquilo que o idealista acalenta no peito, como fogo de uma paixão inclinada ao bem comum, tem de ser sempre mais nobre e mais altruísta do que todas as palavras que apenas representam desejos pessoais ou interesse local.*
Gazeta do Sul, publicado em 10 de Fevereiro de 1946 ( Ano XVI ), nº 788 )
Esses tempos não vão ainda muito distantes e, por isso, a sua vivência, cabendo nos nossos dias, permite-nos poder concluir que a acentuada diferença que se nota, entre o que cada um era e o que cada qual diz hoje ser, para além do que seja consequência natural da efervescência política em que se tem vivido nos últimos decénios, será também fruto próprio de uma onda de vaidade que, a todo o custo, pretende esconder-se nos efeitos de uma evolução que, embora de aspecto geral, assim como não tem atingido tudo, também não pode ter contemplado todos.
Noutros tempos, parece que a modéstia era como que uma virtude que os indivíduos acariciavam, fazendo dela um ornamento que os impunha e aproveitando-a, em muitos casos, como elemento a classificar a sua personalidade.
Tinha-se mais a noção do lugar que se devia ocupar e as manifestações de bazófia rareavam na razão directa do maior número de pessoas que se limitavam a tomar sómente a posição que lhes correspondia.
BELO PARA UNS . ( Foto J.P.L. ) Quinta das Patinhas . Ano de 2015 |
A prudência era conselheira permanente e a reflexão dos pensamentos permitia mais cuidada análise do estofo da pessoa que pensava, para que soubesse bem até onde a sua capacidade, como homem doutrinado, lhe facultava chegar.
No entanto, nesses tempos, em que as doutrinas menos amadurecidas e com belezas que a novidade mais facilmente tornava inflamáveis ao contacto com as aspirações dos povos, houve mártires do ideal e supliciados em holocausto à expansão das suas ideias.
Não deixaram, todavia, de ter forte animação e
impulso objectivo as doutrinas que cada um professava, nem o valor das pessoas terá sido mais mal conhecido ou utilizado com menos propriedade do que hoje.
Havia, como agora, os mentores, os militantes, os pioneiros das ideias. Mas só homens que, por reconhecida inteligência e cultura, definiam as causas espalhando, com propaganda autorizada, as virtudes do ideal e fomentando a conquista de adeptos ou de admiradores.
Alinhados em fileira de franco apoio, formavam os que, menos apetrechados intelectualmente, constituíam o cortejo de fiéis adeptos, sem que o apreço que dispensavam às doutrinas por si proferidas os afastasse duma actuação comedida, como submissos soldados prontos a executar ordens recebidas.
Hoje, não é nada assim.
O arrojo é maior, os homens tem mais grata sede de triunfo e poucos são aqueles que se conformam com um lugar secundário na escala hierárquica dos valores que servem a mesma doutrina. Todos querem ser pioneiros, mandantes destacados e sabedores mais profundos.
Ninguém quer ser soldado carecido de instrução, nem ninguém se resigna com a situação de simples adepto, de uma causa que, para se lhe não deturparem as virtudes, só pelos mais preparados deve ser definida.
Hoje qualquer ignorante se arvora em pessoa de muito saber, dando eco a conceitos errados e fazendo depreciar doutrinas que só não serão boas se lhes faltarem os bons servidores.
Esquecem -se que, para servirmos bem, temos de ser sensatos e analisarmo-nos mais minuciosamente para sabermos até onde os nossos conhecimentos nos permitem ir, sem trairmos o que mais desejamos impor.
BELO PARA OUTROS. ( Foto de J.P.L. ) Lisboa ano de 2015 |
Ao serviço do que mais sinceramente sentimos, devemos procurar sempre pôr a noção do que valemos e vincar, nas nossas acções, a essência dos nossos pensamentos.
Se assim não fizermos, temos de continuar a acreditar que a mentalidade dos homens nem sempre está de harmonia com a doutrina que dizem professar e que todo aquele que julga poder avaliar os méritos de qualquer ideal pelos arrojos detractores dos que se erguem, imerecidamente, à altura de mentores, saiba que homens e doutrinas são coisas diferentes, e que aquilo que o idealista acalenta no peito, como fogo de uma paixão inclinada ao bem comum, tem de ser sempre mais nobre e mais altruísta do que todas as palavras que apenas representam desejos pessoais ou interesse local.*
Gazeta do Sul, publicado em 10 de Fevereiro de 1946 ( Ano XVI ), nº 788 )