Fóssil de pegada de dinossauro com 154 milhões de anos na Figueira da Foz
Um fóssil de uma pegada de dinossauro com 154 milhões de anos foi
descoberto recentemente na Figueira da Foz, por mero acaso, na sequência
de trabalhos de movimentação de terras na encosta sul da Serra da Boa
Viagem.
16/07/21 08:33 ‧ Há 2 Horas por
Lusa
País
Descoberta
O achado, definido pelos especialistas como "excecional", encerra,
ele próprio, uma história, já que chegou ao conhecimento dos geólogos
por Eduardo Leitão, que encontrou e identificou, junto à estrada anexa
ao terreno, a pedra com o fóssil de 35 centímetros nela encastrado.
Vanda Faria dos Santos, investigadora do Departamento de
Geologia (Instituto D. Luiz) da Universidade de Lisboa e especialista em
pegadas de dinossauro, sublinha o "reconhecimento" da comunidade
científica para com quem encontrou o fóssil: "Não foi egoísta e teve
interesse em partilhá-lo e torná-lo público. Outro teria levado [a
pedra] para a sala lá de casa", ilustrou.
O casal proprietário do terreno não se opôs à presença dos
investigadores e ao transporte da pedra para o Museu Municipal da
Figueira da Foz, onde, em breve, estará em exposição."Foi uma quantidade de coincidências felizes", notou Vanda Santos,
que até 2017 foi investigadora do Museu Nacional de História Natural e
da Ciência, antecipando "toda uma aventura" e "um desafio" no trabalho
dos cientistas sobre o achado.Sobre a pegada fossilizada, onde são visíveis três garras, Vanda
Santos observa que "o facto de ser bastante mais comprida do que larga,
leva a pensar num [dinossauro] carnívoro", do período do Jurássico
Superior.
Na altura, há 154 milhões de anos, o que hoje é a encosta da
serra da Boa Viagem virada para a Figueira da Foz, seria, segundo os
especialistas, os meandros de cursos de água que atravessavam aquele
local, o delta de um rio com vários canais, por onde os dinossauros se
passeavam junto às margens.
"Seriam quilómetros e quilómetros de uma extensa planície, daqui até à
Galiza [Espanha], com águas pouco profundas", explica Vanda Santos.
Questionado pela agência Lusa sobre a zona em causa, o geólogo Pedro
Callapez, do Departamento de Ciências da Terra da Universidade de
Coimbra (UC), explica que há 154 milhões de anos "só existia um bocadito
do Atlântico Norte", oceano que se começou a formar há 215 milhões de
anos, "tipo 'fecho eclair', de norte para sul".
"Temos muita dificuldade em imaginar isso", declara Pedro Callapez,
dando o exemplo da Terra Nova, no Canadá, hoje a cerca de 4.000
quilómetros do continente europeu, mas que, na altura em que os
dinossauros se passeavam por aquilo que é hoje o continente português,
estava "a poucas centenas de quilómetros".
"E não existiam os Alpes, os Pirinéus, muito menos a serra da Boa
Viagem. Não existiam relevos montanhosos pronunciados, a serra da Boa
Viagem não terá mais de 2,5 milhões de anos, formou-se quando a
Península Ibérica foi comprimida contra o norte de África", diz Pedro
Callapez.
O geólogo da UC, que é mestre em Geociências e doutorado em
Paleontologia, aponta o fóssil "singular, que não se encontra todos os
dias" da pegada de dinossauro, destacando-lhe a relevância científica,
patrimonial, lúdico-turística e educativa.
"Quando se junta dinossauros a crianças, há logo um interesse acrescido", sublinha.
A pegada agora encontrada sucede a várias outras descobertas naquela
região, nomeadamente identificadas na zona do Cabo Mondego, para onde
está prevista a constituição do chamado Geopark do Atlântico.
Vanda Santos recorda o trabalho "pioneiro", ali desenvolvido, no
final do século XIX e início do século XX, por Jacinto Pedro Gomes,
alertado por trabalhadores das minas "que diziam que havia fósseis
curiosos na praia".
Estes, afirma a investigadora, acabariam removidos do local para
assim sobreviverem à ação erosiva do mar e estão, desde então, no Museu
Geológico de Lisboa, situação que a autarquia da Figueira da Foz
pretende ver revertida.
Se o presidente da Câmara Municipal, Carlos Monteiro, admite, por um
lado, que a questão "não passa por um sentimento de posse" e que "além
do interesse da Figueira, há o interesse nacional", sendo que as pegadas
de dinossauro que estão no museu em Lisboa, podem ali ser visitadas e
até "contribuir para colocar, outra vez, na agenda nacional o Cabo
Mondego e o seu património geológico", por outro lado, há a intenção de
reunir, em termos expositivos, no Museu Municipal da Figueira da Foz, a
pegada agora descoberta com as restantes que foram retiradas do seu
ambiente natural.
A investigadora Vanda Santos, que defende que o património geológico
seja preservado no local onde é encontrado, sustenta que, neste caso e
com os devidos cuidados, "nada impede" a mudança de Lisboa para a
Figueira da Foz.
"Podem vir ou não, é uma questão política de decisão", nota a cientista.
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