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TRILOBITE GIGANTE ( Foto WorldPress.com ) |
Trilobites Gigantes.Quando Portugal estava no Polo Sul. ... ( Arouca ) que, naquela época, fazia tal como o Portugal de hoje, parte do Polo Sul.
Aqui existem os fósseis das maiores trilobites do planeta e as
misteriosas pedras parideiras.
Bem-vindos ao fascinante mundo dos
fenómenos geológicos do concelho de Arouca.
Texto: Paulo Jorge Carmona
É com orgulho, mas com os olhos habituados a tal visão, que Manuel
Valério aponta em frente. Diante de nós, há uma encosta de montanha
esventrada pela força das máquinas, num cenário quase lunar de cinzentos
e negros. Está um frio cortante, tal como cortados estão os blocos de
ardósia empilhados ali à volta, à espera de serem lascados na fábrica.
“Sempre existiram provas à vista de que o concelho era geologicamente
fértil, mas a verdade é que foi a partir daqui que se deu o grande
avanço para a candidatura e criação do geoparque”, conta António Carlos
Duarte, o coordenador da AGA (Associação Geoparque Arouca).
Há cerca de trinta anos, à medida que os trabalhadores iam
“descascando” as pedras de ardósia, surgiram algumas figuras impressas,
que os populares asseguravam serem animais do tempo do Dilúvio.
Apesar
de desconhecer a importância destas “gravuras”, Manuel Valério achou por
bem recolhê-las, e só se apercebeu do seu significado quando, em 1994, o
paleontólogo espanhol Juan Carlos Gutiérrez Marco as observou.
Passou a
guardar todos os fósseis que encontrava, muitas vezes mandando parar as
obras, e começou a fazer exposições, mostrando-as a cientistas e
paleontólogos. O espanto foi geral: estas eram as maiores trilobites
alguma vez observadas até então. Hoje, volvidos todos estes anos, são
conhecidas como as trilobites gigantes de Canelas (a povoação vizinha da
pedreira), sem paralelo em qualquer outro lugar do mundo.
E foi a partir desta descoberta que o projecto do Arouca Geopark ganhou inicialmente pernas para andar.
Todo o espólio recolhido ao longo dos anos encontra-se no Centro de
Interpretação Geológica de Canelas. Há ali ardósias com fósseis de cerca
de vinte espécies diferentes de trilobites, de diversos tamanhos, com
destaque para aquela que é considerada a maior do mundo. De todo o modo,
o museu tem muito mais do que trilobites.
Impresso na ardósia está, também, um antepassado do Nautillus actual, que podia atingir dois metros de comprimento, além de Cruziana
(rasto deixado pelas trilobites nos fundos marinhos) e até a ondulação
das marés gravada na rocha e que sobreviveu até à actualidade.
Inaugurado em 2006, o Centro de Interpretação recebe cerca de dez mil
visitantes por ano e tem apenas expostos os exemplares recolhidos até
àquela data.
Todos os outros, posteriores e em muito maior número,
encontram-se guardados num armazém, a maior parte dos quais ainda à
espera de catalogação.
Manuel Valério sonha com um espaço próprio e mais
moderno para mostrar toda esta riqueza, e o seu sonho, segundo António
Carlos Duarte, está em vias de se tornar realidade. À saída, em jeito de
teaser, a geóloga Daniela Rocha apressa-se a desmontar a ideia
de que este geoparque existe exclusivamente devido aos fósseis dos
maiores seres que habitaram o planeta nos seus primórdios: “Como veremos
à frente, há mais coisas, além das trilobites, que são únicas em
Arouca.”
Entradas: geolousa completa, trilobite frita e manjar trilobítico.
Pratos principais: tentáculos de trilobite, bacalhoada geoparquiana,
trilobife, rojões de estaurolite e paleovitela na mina. Sobremesas:
chocotrilobite, ovos de trilobite e leite-creme ordovícico.
A ementa, inicialmente, faz franzir o sobrolho, mas os que ali vão
propositadamente já estão habituados ao menu gastronómico. A casa de
pedra, devidamente remodelada à semelhança das tradicionais habitações
da povoação de Canelas, prima pelo bom gosto e, além da ementa, pela
curiosa decoração: nas paredes, objectos artísticos de diversos
materiais reproduzem trilobites, lado a lado com xistos originais com
trilobites fossilizadas e, nas mesas, as ardósias ditam os pratos do
dia. As especialidades, essas, já estão prontas e à disposição.
Não deixei de sorrir quando recordei uma das interrogações que levava
para Arouca: até que ponto está a população identificada com o seu
geoparque quatro anos depois da classificação? Olhei para a mesa e lá
estava o pão em forma de trilobite, as bolachas em forma de trilobite, a
carne de paleovitela em forma de trilobite. Mais tarde, numa
pastelaria, voltei a encontrar este piscar de olhos gastronómico ao
geoparque, com bolos replicando o principal ícone do território.
Em
diálogos ocasionais, escutei também referências de arouquenses ao “nosso
geoparque”, sintoma inequívoco de identificação emocional com a área
protegida, privilégio num país frequentemente às turras com as suas
áreas protegidas.
À saída, ao lado da porta, a trilobite estilizada com o símbolo do
geoparque sugere uma entrada directa para o Ordovícico. “Todos os locais
que possuem o logótipo são certificados por nós e, ao mesmo tempo, são
parceiros associados”, explica António Carlos. E este é apenas um
exemplo da forma como quase toda a comunidade arouquense parece seduzida
pelo seu geoparque.
Em Abril de 2009, o Arouca Geopark foi reconhecido pelas redes
Europeia e Global de Geoparques, sob os auspícios da UNESCO e, desde
então, assistiu-se a um incremento de infra-estruturas, à captação de
cada vez mais turistas, a uma forte corrente de visitas escolares e,
sobretudo, à extraordinária adesão da população local a esta nova
realidade. O geoparque anda de boca em boca e está omnipresente.
Diversos restaurantes, hotéis e turismos rurais ostentam à entrada o
símbolo do geoparque, o artesanato local virou-se cada vez mais para a
produção de trilobites em materiais artesanais, as ardósias com fósseis
pululam um pouco por todo o lado e há até pacotes de açúcar consagrados
ao geoparque.
Margarida Belém, vereadora da autarquia local e presidente da
direcção da AGA, sorri com esta identificação emocional, “a primeira
batalha ganha de uma guerra longa.
Mas não basta dizer que o geoparque
são as pessoas. Na verdade, as pessoas é que são o geoparque, estão
integradas nele e têm de gostar dele para termos êxito”. A identificação
tem por isso de ser transversal, desde a população em idade escolar,
que invade, com gritos de contentamento, o Centro de Interpretação de
Canelas, à população mais antiga do território.
Na recente Bolsa de
Turismo de Lisboa, o pavilhão de Arouca convidou alguns dos habitantes
do concelho a vestirem os trajes das freiras que habitaram no convento
da vila, demonstrando que o património histórico pode ser conjugado com a
oferta geoturística.
Na verdade, muitas localidades, nos alvores da nacionalidade,
desenvolveram-se em redor de conventos ou mosteiros, e Arouca não fugiu à
regra. Fundado no século X e legado a Dona Mafalda, filha de Dom Sancho
I, em 1210, pouco resta nos dias de hoje do mosteiro original, podendo
dizer-se que a herança mais bem preservada diz respeito à doçaria
conventual, que é afamada para lá dos limites do concelho. O pão-de-ló,
as morcelas de amêndoa, as barrigas de freira e as castanhas doces são
símbolos internacionais de diplomacia, mas nos últimos tempos,
obviamente pelo impulso do geoparque, as casas de doces apresentam a
última novidade: as “pedras parideiras”, uma referência a outro
geossítio.
Para as conhecermos, temos de entrar na serra da Freita, um dos
segredos mais bem guardados da conservação da natureza em Portugal. Ali,
bem perto da cénica frecha da Mizarela, onde as águas do rio Caima
penetraram ao longo dos tempos por entre o granito e erodindo o xisto,
formando uma queda de água de 60 metros de altura que a torna na mais
alta cascata de Portugal continental, existem ocorrências de rocha bruta
que umas vezes assomam à superfície e outras permanecem sob os solos
agrícolas. O povo chama-lhes pedras parideiras.
Desde antanho que ali, na aldeia da Castanheira, bem como noutras
povoações do concelho, existe a crença de que, colocando um dos nódulos
negros que se desprendem dos blocos de granito por baixo da almofada,
está garantida a fertilidade feminina. Afinal, se até uma pedra pare
pedras, é legítimo que o faça mais facilmente entre seres de carne e
osso…
Obviamente, a tradição de fortes raízes populares tem uma explicação
científica que sustenta a “expulsão” dos nódulos negros, que variam
entre 1 e 12 centímetros de diâmetro, por parte da pedra-mãe, mas a
compreensão definitiva do processo não é consensual. Os nódulos
soltam-se por motivos de ordem termoclástica e crioclástica, mas ninguém
parece conseguir responder à pergunta: por que motivo existem apenas
ali e não em qualquer outra paragem do planeta?
Desde a criação do geoparque, esta área da aldeia da Castanheira tem
recebido melhoramentos. Há um percurso pedonal e de observação em redor
dos afloramentos graníticos e foi edificado um centro de interpretação
moderno e interactivo, onde é projectado um vídeo a três dimensões que
explica a formação do sistema solar, as origens da Terra, com
focalização no fenómeno das pedras parideiras. Não surpreende que desde a
inauguração, em Novembro de 2012, o centro já tenha acolhido mais de
cinco mil visitantes. Como não admira vermos camionetas escolares
estacionadas e dezenas de alunos a correr em direcção às rochas.
Subimos ainda ao alto da serra da Freita.
Sabemos que, em redor,
existem vestígios tectónicos que explicam as falhas e dobras rochosas,
xistos e granitos, fósseis intemporais, mas também existem sítios
arqueológicos romanos e visigóticos, conheiras auríferas, minas de
volfrâmio, rios abundantes e propícios a desportos radicais. Ali, a
1.200 metros de altitude, vê-se o Atlântico, a ria de Aveiro, as serras
de Montemuro, do Gerês e da Estrela coberta de neve.
É quase impossível
imaginar que este pedaço de terra já esteve no pólo sul e nas
profundezas dos mares primitivos. Mas, em Arouca, agora, há mais terra
do que mar.
Foram os choques das massas continentais que elevando-se fizeram com
que aquilo que era então fundo do mar sejam agora o cume dos montes.
Bivalves, rostroconchas, gastrópodes, cefalópodes,
braquiópodes, crinóides, cistóides, hiolítidos, conulárias, ostracodos,
graptólitos e icnofósseis ganham nova vida, no Centro de Interpretação e
Investigação Geológica de Canelas.
Mas são as trilobites que se
destacam, como os maiores exemplares do mundo, da sua espécie. Os vários
fósseis aqui expostos contam-nos histórias da história da Terra, alguns
dos capítulos mais longínquos da evolução da vida no nosso planeta.
Aberto ao público desde 1 de Julho de 2006, na freguesia de Canelas, nas
imediações da “Pedreira do Valério”, este museu particular tem
desempenhado um papel fundamental no estudo, preservação e divulgação
deste património, recolhido nas ardósias aflorantes da sua envolvente
pela empresa Ardósias Valério & Figueiredo, Lda., formadas num
antigo mar austral há cerca de 465 milhões de anos (Período Ordovícico).
O Centro de Interpretação e Investigação Geológica de Canelas (CIGC)
assume-se, assim, como um exemplo de cooperação entre a indústria
extrativa, a educação e a ciência.
Nota:
O CIGC promove, em colaboração com a empresa de ardósias, a visita à
unidade de transformação das ardósias e dinamiza um percurso
didático-pedagógico designado “Rota do Paleozóico”, ao longo de um
conjunto de trilhos na sua envolvente.